Ezekiel e a Tenda de Estrelas


Com muito prazer agora, vou fazer algo que nunca fiz e vou lhes contar uma estória.



A Cronicália
Apresenta:

Ezekiel e a Tenda de Estrelas

Por
Bruno Prata Stano







Parte Um
 

“Papo de irmã, duas pizzas, bruxaria, desencontros, uma pedra, um feiticeiro, um gigante e uma gata do tamanho de meia caixinha de fósforo.”




A nossa estória começa outro dia na casa da minha irmã do meio



-Ana!
Ana Lúcia atende a porta! Sou eu mana!


Gritei batendo na porta

Ana atende de cabelos emaranhados, olhos inchados, braços vermelhos de sei lá o que, lábios mordidos, toda molhada de suor num pijama rosa desbotado cheirando a mofo e veneno contra traça.

Jogada em meus braços ela chora

- Ele era diferente Silas! Eu e Ezekiel nunca brigamos neste um ano de namoro, ele sempre foi compreensível, resolvemos tudo na conversa, e então ele sumiu! Simplesmente sumiu! Desapareceu do nada! Ou sequestraram ou mataram ele! Só pode!

- Calma, deixa eu chegar direito


Sentei no sofá enquanto ela fechava a porta tremendo da cabeça aos pés;
Então perguntei

-Se você está tão certa de que o cara não deu no pé e de que realmente sumiu assim de repente, então certamente você já avisou a polícia a uma altura dessas não?

- Claro que avisei, mas sem novidades, contratei até o Haroldo amigo do papai de muito anos que é detetive lembra dele?


Logo pensei comigo que eu nunca esqueceria daquele mentiroso pois por algum motivo ele deixava meu pai chateado muitas vezes.

- Claro que lembro, ele vivia nos contando casos e a mamãe sempre fazia careta atrás dele.

- Pois é, lembrei dele e ele está me ajudando bastante, me liga todos os dias durante a tarde e de noite, mas ainda nenhum sinal concreto do Ezekiel.

- Então não é sequestro né, já que ainda não ligaram para pedir resgate.

- Não sei Silas, nunca se sabe!

- Com o que ele trabalhava?

- Ele é astrônomo! Poxa já tinha te contado isso seu lesado! Faz um ano que estou com o cara!


As pessoas falam isso como se realmente vivessem trezentos e sessenta e cinco dias de suas vidas, mas claro que não falei uma bobagem dessas;

- Foram tantos namorados mana! Esqueci o que este fazia! Fazia uns cinco meses que não nos falávamos! E por que você acha que sequestrariam ele?

- Não sei, mas um amigo dele havia sido sequestrado meses antes! Sei lá, agente acaba querendo pensar em tudo.

- E a família do rapaz?

- Tá apavorada né! Lógico! Ninguém desistiu estamos todos na busca!


Daí eu senti o drama

-Caramba, foi mal mana eu não sabia que era tão sério.

- Pois é, claro que é sério, estava tudo certo entre nós a única coisa diferente que ele andava fazendo ultimamente e que também não tem nada demais, era escrevendo todos os dias deitado na cama antes de dormir, mas o que realmente me chamou atenção mesmo é que não eram coisas sobre astronomia, quer ler a ultima coisa que ele escreveu?


Imagine só se eu não queria?

- Lógico que quero! Se quiser mesmo me mostrar...

- Quero mostrar sim, é bom que outras pessoas leiam para que eu ouça outros tipos de interpretações, alguém com certeza compreende coisas aqui que não consegui decifrar, talvez seja fantasia da cabeça dele, estivesse apenas escrevendo poemas.


E minha irmã me trouxe um caderno de brochura amassado com garranchos borrados, aberto na ultima página onde estava escrito:

“Conheci um povo que mora em tendas feitas do céu estrelado, só é possível encontra-los quando uma lamparina se acende de dentro de alguma das tendas ou quando algum gato ou coruja nos mostra o caminho.
Apenas é convidado a entrar na tenda aquele que nunca acreditou numa estória, e eu já fui uma destas pessoas.

Mas não vou contar minha estória
Prefiro contar o que se sente dentro e fora da tenda
Tão pouco importa a estória daquele que não acredita em estórias
Não começa nem termina
Só nasce pra morrer sem graça alguma da vida
Só serve para explorar jardins sem conhecer florestas

E eu sem morder nem cheirar
Passava a vida dormindo acordado
Sonhando com promessas e chaves para a liberdade
Quebrando janelas de escritório
Enquanto via o mundo pagando por ruínas

Pagando por promessas

Atestados solitários de desculpas esfarrapadas
Pássaros enjaulados cantarolando liberdade
Lutando junto ao vício do preconceito
Custando-lhes a busca da liberdade;
E o sonho de ser feliz
A conquista de esforços rastejantes
Que por mero acaso de algo lhes nomeia perito
Hasteando a bandeira da responsabilidade bem vestida
Em nome de um progresso morto e vingativo
Seco dentre os livros
Queimado com florestas
Torrado como as cobras e os ratos

Jaz na velha candeia da gratidão e do Amor ao próximo;
Toda felicidade prometida de alguma época;
Toda a superstição perpétua
Os enigmas da morte
As respostas sobre a vida
Respostas que vendem perguntas
Perguntas que pedem socorro aos que vendem respostas
A compostagem da convivência
Aonde por fim tudo se extingue;
Aonde por fim Tudo renasce.

Os ensinamentos transmitidos nas tendas estreladas são honestos como o vento
E nos damos conta de sua consequência depois que ele passou;

As tendas cheiram a frutas estragadas, sândalo e graveto decomposto na terra molhada.
A iluminação é alaranjada como que de uma lamparina de moranga
E sombras dançam como se surgissem da luz de relâmpagos de tempestade alguma.

Quando entro na tenda ouço o som do deserto
Sinto o cansaço de uma longa caminhada
A sede da boca cheia de areia;
Trazendo de longe um leve salgado dos grãos que um dia habitaram o mar.
“Até o deserto convive com lembranças”
Camelos sonolentos...
...passos esperançosos das caravanas.

O Sol testa meus valores cozinhando minha pele e meus órgãos
A Lua enobrece minha alma, deixando-me pequeno como um rato
Silencioso como a coruja
Desperto como o dia

E como se não bastasse o meu cansaço
Dentro da tenda por detrás de uma canga pendurada como cortina encontro uma ladeira que me sorri descarada, e diz chamar-se Morro do Inhame.

Sentado numa pedra está um homem com chapéu de três pontas que esconde seu rosto, segurando uma placa onde está escrito:
“Devemos subir morros antes de contornar destinos”

Senti que fiquei com cara de inhame
E fitei o morro;
Apontando para o céu
Aonde o topo não se vê.

Quase parece que não existe um aonde
Mas o “aonde” está lá

E depois do aonde tem uma ladeira que desce
Como as costas de uma sereia
Como uma gota de suor...
...No oceano de um morro pelado;
 Que abriga um céu cheio de estrelas;
Um sol sem sede e sem dó;
E nuvens amigas de um descanso ligeiro,
Sob a modesta sombra da goiabeira.

E ao sentir o gosto do suor, lembrei sem saber e sem lembrar que somos feito da mesma matéria que o mar.

Levado pelo vento
Chego ao Aonde
E o Aonde mostra o dorso da sereia
Aliviando meus tormentos
O Aonde é o topo da bela vista
Que me liberta do suor
Que garante a minha paz
Que afasta os solitários do medo e da solidão
Traz esperança aos sonhadores
Mostra os valores e os coloca em jogo aos pecadores de si mesmos;
Dando assim aos desperdiçadores da vida a chance de não se perder mais.”


Putz, o cara é poeta, mas terminei de ler com algumas opiniões e perguntas óbvias;

- Gosto sobre o que ele fala, a busca dos sonhos, pessoas pagando por promessas, progresso vingativo, respostas vendendo perguntas, subir morro antes de contornar destino, só não saquei bem a coisa toda da tenda e esse tal de morro com clima desértico. Por onde ele andou viajando ultimamente?

E minha irmã responde de forma decorada

- Ele vai daqui pro trabalho ,do trabalho pra banca, da banca para locadora da locadora pra casa. A ultima vez que ele viajou foi comigo para a casa da mamãe em Andradas.

O cara é paradão, é claro, poeta, astrônomo e paradão, não é de se admirar que alguém que tanto olha para as estrelas seja um poeta e um paradão que fantasia mundos além do dele, mas daí minhas opiniões sobre o paradeiro dele diminuíram, e perguntei francamente

- Bom, daí complicou, ele andava tomando algum remédio, usando qualquer porcaria que ferrasse a cabeça dele?

- Nada! O Ezequiel abomina remédios e nunca teve problemas de saúde.

- Você já foi até o trabalho dele é claro né? Entrou no escritório e tal?

- Claro que não! Quem fez isso foi o Humberto e alguns policiais, me mandaram depois algumas caixas com tudo que tinha no escritório dele, Humberto me garantiu que viu o escritório vazio.


A minha irmã confia até numa televisão, quem dirá no tal do Humberto; Então respondi indignado

- Você ainda não foi até lá falar com nenhum amigo dele? Confiou tudo no Humberto e na polícia?

Ela é claro que já se armou com cara e tom de indignação;

- Silas! Mas é claro que eu confiei em profissionais! Não sou detetive! Nem você é! Não somos a lei para ficar interrogando as pessoas!

- Há é? E quem disse que não estou te interrogando agora?

- Haaa mas é diferente! Somos irmãos estamos conversando!

- O Aninha, sério, podemos ir lá no trabalho dele rapidinho? Falar com algum amigo dele, ver o escritório dele.

- Escritório? Depois de quarenta e dois dias?! Óbvio que já tem outra pessoa ocupando o lugar dele!

- Talvez seja esta pessoa mesmo que devemos conhecer.

- Irmãozinho, sem dúvidas o Humberto já falou com esta pessoa e todos os amigos possíveis do Ezekiel e não conseguiu nada. O trabalho dele foi um dos primeiros lugares que a polícia investigou.

- Pouco me importa a lei e o Humberto, eles tem a desvantagem de estar trabalhando e nós não, nós temos a vantagem de não estar fazendo isso por serviço.

- Qual a vantagem nisso?

- Faremos com mais vontade e perseverança é lógico, não temos horário pra cumprir e nem família pra alimentar com um salário pequeno num emprego que se coloca em risco a própria vida. Somos mais pacientes que a lei e podemos raciocinar muito mais juntos do que qualquer Humberto ou qualquer investigadorzinho de merda.

- Isso! Perfeito Silas!
Você realmente conseguiu provar que é uma criançona que acredita em toda besteira que seu amigo imaginário fala, dá um tempo irmãozinho a polícia e o Humberto estão fazendo o trabalho deles muito bem, cabe a nós rezar e ficar atentos a novidades, ando distribuindo cartazes e fazendo camisas com a foto dele para dar aos parentes e amigos, você deveria me ajudar nisso ao invés de brincar de detetive.
 Como você pôde envelhecer de idade e continuar tão tonto como a criança avoada que sempre foi?

- Eu o tonto né, então tá, vou lá usar a camisa do seu namorado então junto com seus amigos, agora dá licença que eu vou pedir uma pizza.



Mal sabíamos naqueles dias que nós é que estávamos perdidos num mundo de fantasias, cegos como toupeiras que assistem mentiras e comem como urubus.





Enquanto isso na Tenda de Estrelas...


Um feiticeiro junta ingredientes com a ajuda de seu servo de cinco olhos, para criar uma caixa mágica que gera uma porta que dá em outra porta que por fim dá em duas portas que terminam nas mesmas duas portas anteriores gerando assim um corredor de repetição do passado e do futuro

- Dois dedos de Homem Planta, dois Macacosapiens secos, dois morangos cantores e meio, três Girafáceas sem pescoço pra dar equilíbrio, uma Zebrálea preta para ficar correndo em volta do caldeirão, sete olhos vivos de aranha laranja da floresta suco, um tornozelo fujão, duas portas de repetição do espaço tempo, uma poltrona saltitante, Pimposo tu tá anotando tudo?

- To sim chefinho

- Vamos precisar disso completo até o horário estar naquele tempo aonde se diz para estar pronto e os ponteiros estiverem naquela posição e os sóis atrás daquele morro em formato de joelho de moça gordinha!

- To sabendo chefinho

- Eu gosto muito que esteja sabendo Pimposo! Aliás! Temo que devemos nos preocupar com estes novos argumentos contemporâneos que carregam muitos “já seis” e que atrapalham meu pensamento e os momentos em que eu deveria estar sabendo de algo ou pensando em algo que deveria estar pensando quando soubesse de algo! Acaba que não começa então nem tem por onde acabar viro uma baratácea tonta! É nessas horas que eu digo Pimposo, que isto tudo vale a pena e que somos o tesouro desta preciosa terra! Você não concorda minha amável estupidez?

- Certamente chefinho! Concordo pra valer.

- Você colocaria algo em prova por minha pessoa Pimposo? Confia mesmo em mim? Sacrificaria um de seus cinco olhos por mim?

- Sem dúvidas chefinho, isso assim Pimposo faz!

- Você não deve fazer isso Pimposo! Deve ser amigável com nossos visitantes! Eles gostam de comprar lembranças e de dormir quentinho! Você precisa de todos os seus olhos no devido lugar!

- Com certeza chefinho! Pimposo cuida!

- Assim que eu gosto meu companheiro, confiança, confiança e equilíbrio que é algo importante mas que ainda não me lembro muito bem aonde deixava isso agora! Gosto disso!
Ah, o ar puro das Tendas! O desequilíbrio de meus tornozelos, as poeiras de estrelas varridas espalhadas pela imensidão da paisagem, noite e dia. Tudo isso me traz o cheiro da casa amanhecendo, e do orvalho nascendo numa curva inesperada aonde o acaso fez sua trilha entre as flores do campo Real da Beleza Infindável.


Eis que então uma pedra grandalhona se acende como se fosse iluminada por de dentro com uma cor alaranjada, soltando um alarme tão escandaloso que quase fez parar os dois corações de Pimposo e o incansável e milenar coração de Theadoro o Senhor dos Desmemoriados, que num salto triplo exclama;

- Mas que coisa é essa???  Isso sempre esteve aí Pimposo? Sempre fez este barulho e estas luzes horríveis? Que diabos acontece com esta pobre pedra Pimposo? Quem soltou isto aqui?

- Pimposo tem certeza de que esta é a campainha chefinho, avisa quando chega alguém.

- E isto já havia acontecido antes? Estes alguéns já haviam me assustado assim no passado?

- Já sim chefinho, nós dois igualzinho, parece até o desenho do peixinho que eu já vi um monte de vezes e é tudo igualzinho toda vez! Até as falas!

- E o que aconteceu depois? Deixei a pessoa entrar?

- Deixou sim chefinho, quando a Zara ou a Tarot traz alguém, você sempre pode deixar entrar.

- Como você pode saber dessa coisas Pimposo?

- Pimposo já falou que viu um montão de vezes essa historinha chefinho.

- Pois bem, aonde é a entrada Pimposo?

- No céu chefinho, o senhor olha pra pedra e faz uma rima como costuma fazer perguntando quem traz quem, e daí o senhor permite e a pessoa entra ali pelo céu.

- Tá, tá certo;


Theadoro então dá uma leve e delicada pigarreada ajeitando seu longo chapéu pontudo e sua exagerada gola de seu longo casaco diz;

- Pois então dona pedra, tu que de tão dura jamais saiu do lugar, por favor me diga quem agora está a se aproximar?

Então a pedra num tremor de dentes de pedra resmunga como um sapo com a boca costurada;

- A felina Zara traz um humano autorizado chamado Otávio, ó senhor dos desmemoriados Theadoro o Velho.

E Theadoro responde;

- Pois bem dura e disforme companheira, diga a eles que se aproximem, pois agora achei uma pedra bem quentinha para sentar e daqui não saio tão cedo. Espero não estar ofendendo nenhum amigo ou parente seu sentando sobre ele dona pedra.

E a dona pedra responde paciente e educada

- De forma alguma milorde, fomos feitas para isto também.

Então o céu se abre entre poeiras de estrelas que girando velozmente formam uma conexão com o chão, trazendo com a forte luz uma gata anciã confiada pelos Deuses chamada Zara e um homem assustado chamado Otávio, que de olhos arregalados corre desesperado em direção a Theadoro pedindo por socorro;

- Finalmente uma pessoa normal! Pelo amor de Deus me diga aonde estou! Aonde tem uma delegacia? Um telefone?

Então Theadoro também pede socorro e dá um salto para trás antes que Otávio agarre-o pelo avantajado e bem passado colarinho, gritando enlouquecido;

- Socorro! Alguém coma este terráqueo eu não sei do que ele está falando! Pimposo corte a língua dele! Fure os tímpanos dele com o laser tetragonal!

Então de uma porta na grande pedra sai Apopeu, o feiticeiro da mão descontrolada que dando um salto assustador diz para Otávio;

- Rápido pegue na minha mão!

Zara, a sábia gata anciã que até então não havia se manifestado, alerta Otávio;

- Eu não faria isso se fosse você, esta mão não sabe o que faz.

Otávio apavorado olha para Theadoro novamente e ouve Pimposo dizendo;

- Eu não quero cortar a língua dele chefinho, ele não fez nada de errado e tem cara de doente. Parece leite de Mormacratua azedo!

Otávio olha para a mão ainda estendida e para os olhos do feiticeiro Apopeu que diz;

- Não perda tempo! A pedra vai se fechar!

Então os olhos de Zara brilham um amarelo intenso e suas orelhas deitam para trás, arrepiada e rodeada de uma névoa que surgiu para lhe proteger, ela então começa a recitar um feitiço contra Apopeu;

- “Apopeus adaminatecu´s intransversam aderiognum atia malsavada tutti que me parla, queirimarus tu i carquero sangre in carkeva esqueletum”!

Apopeu então roda sua longa capa verde formando um escudo que protege ele e o pobre do Otávio que a esta altura já estava prestes a desmaiar;


- O que? Um escudo? Você defendeu meu feitiço com um escudo de capa?
Exclama inconformada a gata Zara que está acostumada a ver feitiços verbais serem defendidos ou curados com outros feitiços verbais.


Então Apopeu sereno e confiante como sempre diz a ela;

- Eu preciso leva-lo minha velha amiga! Me perdoe faze-lo desta forma, ele não quis me dar a mão então terei que leva-lo a força.

E uma fumaça verde envolve Apopeu e Otávio, arrastando os dois para dentro da porta na pedra que já estava se fechando.

Zara pula mas não consegue encostar na pedra a tempo, brava ela reclama com o velho Theadoro;

- Maldito Apopeu! Sempre surpreendendo daquele jeito tão educado dele. E você velho Theadoro! Pra que você serve? Nem pra me ajudar a segurar o rapaz aqui! Você e este seu grandalhão com tantos olhos e dentes! Vocês não são guardiões da entrada dos bosques? Não é para isso que deveriam estar aqui?!

Theadoro olha para Pimposo e reclama;

- Pimposo! Dê um jeito neste felino! Não entendo um só miado do que ele diz e estou completamente confuso com a presença dele! Sinto também fome e vontade de cavar buracos no chão com as unhas, nada muito fundo nem nada muito raso!

Pimposo como de costume dá uma desculpa para não precisar machucar alguém ou se ferir

- Pimposo não pode dar jeito na gata Zara senão gata Zara dá jeito em pimposo!

E Theadoro que obviamente já havia esquecido quem era a gata Zara, diz irritado;

- Então deixa que eu mesmo dou um jeito!

E lança um feitiço de encolher em Zara

- “Minimallus encantarílhos de tu mamita yator Adoren Azamedeu”!


Então, Zara pega de surpresa devido a inesperada atitude, dá um salto arrepiado de gato assustado sem tempo de defender-se tornando-se um gatinho do tamanho de meia caixinha de fósforo.

- Chefinho! O senhor deixou a Gata Zara titica! Tá tão niquininha que não dá nem pra dar carinho!
Disse abismado Pimposo que se esforçava para enxergar um gatinho tão minúsculo


Então o supremo e respeitável insano Theadoro Lorde dos esquecidos, diz confiante como de costume;

- Não se preocupe com isso Pimposo! Temos muito o que fazer hoje e nos outros dias também! Temos roupa e temos comida lavada! Dormimos em camas e lavamos a louça antes de come-las! Não precisamos dar carinho em bichinhos que não preenchem nossa mão e também não precisamos pagar contas ou procurar por bandidos ou objetos perdidos! Estamos muito bem em comparação aos outros! Podemos ir embora agora!

- O senhor quem manda chefinho
Diz obediente Pimposo

E os dois partem sumindo em segundos junto com todos os objetos e animais que os acompanhavam, exceto por Zara que do tamanho de meia caixinha de fósforo estava desesperada gritando para que Theadoro parasse com aquela brincadeira e a devolvesse ao tamanho original.

Porém eles realmente se foram, e Zara desconsolada caminha em direção a pedra aonde Apopeu sumiu com Otávio, apenas em busca de abrigo para pensar e consultar algo que desfaça o feitiço de Theadoro no único livrinho de feitiços que ela carrega em seu compartimento mágico invisível. Ela precisa agir rápido, antes que algum inseto apareça para devora-la , qualquer aranha poderia alimentar-se dela agora.


Rapidamente Zara encontra alguns feitiços, mas nenhum deles compatível com a força do feitiço de Theadoro , o único que poderia reverter a situação é um feitiço não verbal, ou seja, uma poção com uma vaga e estranha receita. Zara odeia estes feitiços, nunca gostou de fazer poções, muito menos procurar por seus ingredientes, mas ela não tem escolha, até mesmo por que está numa missão importante!

Na receita diz:

“ Receita para poção de reversão de encolhimento:
Por Astholfo Nanicolinu´s
(Filho do nomeado inventor da poção de encolhimento, Mestre Azamedeu Nanicolárdios)

Siga as instruções sem alterações de curso ou substituições de itens;

* Dê doze passos inesperados frente ao Lago frio dos Poetas
* Colher e comer um botão de flor cantora que irá se abrir ao seu lado (retire com delicadeza e peça licença).
* Colher treze gramas de pólen de flor cantora e inalar imediatamente
* Fechar os olhos e recitar o poema que a lua vai cantar
* Durma profundamente na margem do lago e continue viajem para o deserto no dia seguinte
* Procure uma Itanacã nativa dos rochedos árduos
* Esmague com o cotovelo até soltar o líquido laranja
* Engula tudo e aguarde pelos efeitos, em até quinze horas ao máximo você estará em seu tamanho normal”


Ok, isto é mais que uma receita, é uma missão longa e cansativa, ainda mais para alguém tão pequenininho, e Zara também parou para pensar se o que ela tinha podia ser chamado de cotovelo. Mas decidiu partir na busca assim mesmo;

- Eu preciso de um transporte para acelerar ao menos o comecinho dessa jornada
Pensou Zara olhando ao redor em busca de algo que pudesse lhe transportar


Então, por detrás dela, passa por cima da pedra um pé de alguém enorme que caminhava assoviando, Zara então agarra suas unhas num tecido pendurado amarrado na cintura do gigante e procura uma dobra aonde possa se esconder.

Ele apenas assobiava e de onde Zara estava apenas se enxergava um volume e tanto dos pelos de sua barba negra.

Na verdade a viajem estava tão interessante e agradável, e aquele gigante também assobiava músicas tão delicadas, que sem se dar conta Zara dormiu fazendo “rom rom” e tudo, como se estivesse em seu campo preferido de ervas de gato.



Equanto isso, numa cidade redonda e pontuda habitada por conquistadores do deserto entre os jardins de "aqui" e "lá", um empregado alarmava a seus empregados que deveriam alarmar ao grande empregador de todos;


- Os humanoides estão entrando aos montes através dos portais enfeitiçados das tendas, tanto nas florestas quanto nos desertos, e a culpa não é nossa! Devemos ao menos reforçar nossa postura perante a isto enviando um relatório sobre o que acompanhamos até agora ao “Senhor de Toda Política e Raciocínio", para que ele ao menos saiba que em seu reino não existe somente ratos empoeirados do deserto, velhos enrugados e mofados que dormem entre as árvores e bestas sem descrição que rastejam como lama escorrendo morro abaixo;

Ele dá uma pigarreada e grita ao seu fiel secretário

- Senhor Ananias!

- Sim Sr.Prefimperadoreito Ó Popillineu o Justo?

- Convoque Abetrânio para datilografar o relatório que irei ditar dentro de dois minutos e vinte e sete segundos!

- Agora mesmo Vossa Sabedoria.


Enquanto Ananias se ajeitava para busca-lo, Abetrânio já se aproximava com sua máquina de escrever de uma só tecla

-Pronto como um ponto Vossa Imensidão!
Exclamou orgulhoso com a própria prontidão o habilidoso Abetrânio

- Pois bem caro datilógrafo, prepare sua testa para este documento oficial


E Abetrânio encosta a testa na única tecla da máquina de escrever, enquanto Popillineu dita;


- Vossa Excelência Perpétua Pai e mãe de nossos direitos e esquerdos, exponho aqui conhecimentos que já acredito fazer parte de vossa imperdoável e perfeita percepção, porém destaco o direito de defender-me dos atos rastejantes destes vermes empoeirados e destes velhos bruxos texturizados com musgos e rugas, herdeiros das velhas maldições.

Como vossa grandeza já está habituado a ouvir a tantos Momentempos, enfrentamos a invasão de humanoides feiticeiros e bruxos alcoólatras por meio dos portais disponíveis nos bosques e nos desertos, nossa tolerância perante os furtos e barbaridades causadas por estes ratos da magia  aparenta ter chegado ao fim, a partir do dia de hoje aonde acompanhamos um ataque de bruxos vagabundos saqueando artefatos e elmos que nos são de valiosíssima importância, mesmo que carregados da mais apelativa proteção e enfeitiçada por um de nossos melhores AquieLáianos, nossas barreiras e cofres foram derretidos por estes marginais sem discernimento, perdoe-nos vossa Imensidão mas por não termos nada a ver com estes portais e por estarmos sendo lesados constantemente devido a seus atos repugnantes, peço ao senhor fervorosamente que nos autorize a contra-atacar estes infelizes antes que eles acabem com todas as nossas preciosidades, nossos artefatos mágicos caíram de seiscentos e noventa e oito ieqtialhões visíveis e duzentos e quarenta e cinco pereoktalhões invisíveis para quarenta e dois ieqtialhões visíveis e apenas noventa e oito milionerítimos invisíveis.

Ou atacamos e mantemos nossa tradição e preciosidade intacta ou entregamos tudo aos macacos e nos damos por um reino vencido pela podridão. Não espero de forma alguma que isto soe como um fio de ameaça a vossa perfeição que de tão perfeito torna-se impossível de se ameaçar, mas temo que nossos habitantes principalmente nossos encantadores de artefatos venham a se rebelar por um breve momento, o que pode resultar num alto índice de desencarne humanoide fora do controle de nossas autoridades locais.

Anseio por sua resposta e já lhe adianto meus pedidos de perdão em nome de qualquer falha por parte de minha humilde e fraca existência  errônea.

Tudo é tão pequeno em comparação a seu poder e liderança ó fabulosa Excelência Perpétua.

Com toda devoção e respeito que me são concebidos nesta vida

                                             Popillineu o Justo
Prefimperadoreito da Cidade Redonda e Pontuda dos Conquistadores do Deserto



E Popilineu ordena a seu fiel ajudante e escudeiro ao terminar de ditar:

- Sr Ananias, leve imediatamente este comunicado aos assessores de nosso Senhor e se possível aguarde por sua resposta nas proximidades de seus gloriosos domínios.

- Agora mesmo Vossa Grandeza!


Ananias responde enérgico com sua clássica prontidão e segue em sua missão de quarenta e cinco dias de deserto até chegar aos domínios de seu senhor, isto não é nada para um conquistador do deserto e Ananias já fez isto incontáveis vezes, mas mesmo assim ele sente um leve frio na barriga ao imaginar que algum bruxo mundano poderia descobrir sobre este comunicado no meio do caminho e tirar sua vida por isso, mas para um escudeiro fiel como Ananias sua única opção é seguir em frente.




                                     FIM DA PARTE 1




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Parte Dois
“Um punhal vivo, um sacrifício forjado, os irresistíveis bolinhos de coco da Vovó Ilusão, um detetive aposentado, lendas e desejos, mortes e vidas a se cumprir.”

- É inaceitável que se faça isto a uma velha como eu! Eu exijo explicações sensatas agora mesmo, você só pode estar cometendo um erro rapaz!

 Gritou roucamente a senhora de cinza batendo com o guarda-chuva no balcão do caixa do banco, enquanto o funcionário assustado e envergonhado explicava repetidas vezes o que acontecera;

O rapaz dizia;

 - Dona Dhalia, por favor não vamos piorar as coisas, todos os pertences no cofre  foram retirados de lá pelo senhor seu marido a três semanas atrás, temos como provar nas fitas de segurança do banco!

 E ela ignorava o rapaz do banco como se não tivesse ouvido nada

As pessoas já gritavam impacientes na fila

- Alguém tira essa senhora da fila por favor!
- Manda ela pra sala do gerente!
-Ô tia! Já deu! Vaza!
- Cadê o responsável por esta senhora!?

Quando ouviu isto, Dona Dhalia se encheu de fúria e gritou como poucas velinhas poderiam gritar neste mundo;

-RESPONSÁVEL? RESPONSÁVEL POR MIM!? RESPONSÁVEL PELA PIOR MALDIÇÃO QUE VOCÊ PODERIA TER TOPADO HOJE SUA INFELIZ!? O QUE ME DIRIA VOCÊ AQUI SACANDO DINHEIRO DA APOSENTADORIA DA SUA MÃE PARA JOGAR NO BINGO!?

Então alguém intervém;

-Já chega Dona Dhalia! A senhora vai me acompanhar até meu escritório com calma e sem escândalos desnecessários!

Era o gerente do banco entrando entre Dona Dhalia e a assustada e confusa cliente que mantinha um suspeito e embaraçoso silêncio após as acusações daquela velha estranha.

O gerente olha inconformado com a atitude exagerada de Dona Dhalia e diz;

- A senhora poderia simplesmente ter pedido para me chamar desde o começo ao invés de chamar tanto a atenção como chamou Dona Dhalia, a senhora conhece o caminho da minha sala.

E os dois seguiram para o andar de cima enquanto os clientes e funcionários se entreolhavam espantados fazendo comentários cômicos sobre a situação.


Ao entrar na sala Dona Dhalia foi direto ao filtro d’água, tremendo e amassando seu copo tentando permanecer calada enquanto o gerente se ajeitava em sua cadeira e fechava seu notebook.

- Pois bem Dona Dhalia, nós então já sabemos que o punhal e as pedras foram roubados não é mesmo?

Dona Dhalia dá um salto e derruba água por todo lado

- Sabemos? COMO!? Então foram roubados mesmo? Levaram mesmo!? Mas só eu ou ele podia entrar no cofre, como podem, mas o menino...

O gerente interrompe Dona Dhalia que de tão pasma não consegue completar a frase

- O rapaz do caixa sonhou que viu uma fita em que você e seu marido entravam no cofre, foi tudo bem planejado Dona Dhalia, e isto não cabe a mim resolver, e sim a você e aos dos outros planos, nosso chefe que como a senhora bem sabe não pode ser encontrado aqui, apenas  pediu que eu lhe transmitisse certas coordenadas.

E Dona Dhalia assustada, gaguejando dúvidas arrasta-se pela parede

- Eles, eles enganaram agente desse jeito? Eles levaram nossa fortaleza e vocês falharam sem uma morte sequer de nenhum dos dois lados ou qualquer outra atrocidade desnecessária típica de vocês? Eles levaram nossos filhos e nossas mães, levaram dois terços da alma de Gaia, levaram Demônios e Anjos que dependem do nosso Amor para estar bem aonde estão, você não pode me falar uma coisa dessas numa frieza tão desprezível seu resto de má magia queimada! Por que tenho que acreditar que vocês não tem nada a ver com isso seus merdas engravatados!? CADÊ A NOSSA FORTALEZA SEUS RESTOS DE MÁ SORTE!?

E Dona Dhalia agora parece ter muito mais dentes do que tinha antes, e olhos muito maiores e amarelos,  vai volitando da parede aonde está até o pescoço do gerente em um segundo;

Da boca e dos olhos arregalados do gerente saem fumaças negras e densas que formam seis cabeças que falam ao mesmo tempo;

- Nós estamos fora disso Dhalia, largue o pescoço do corpo e vá ao plano das tendas, nós estamos em assuntos pequenos agora, o nosso senhor nos ordenou que permanecêssemos nesta posição e assim ficaremos até seu próximo desejo, Ele nos ordenou que lhe instruíssemos em direção ao plano das Tendas e que buscasse auxílio das Lendas nos planos intermediários da esfera. Apenas isso temos a lhe dizer Senhora da Ilusão.

Dhalia solta o pescoço do “gerente” que reconstitui seu rosto rapidamente enquanto ela furiosa caminha em direção a porta pisando duro e dizendo suas  verdades a ele;

- Vocês apenas por ser isto que resta já são um assunto pequeno Legião! Estão destinados a cumprir desejos pequenos pro resto dessa existência condenada, são meros mensageiros dele. Sei bem aonde encontrar meus auxílios, e pode ter certeza que estarei nos intermediários e bem atenta aos sinais de vocês nessas história!

E ela sai batendo a porta fazendo com que dois funcionários ficassem pasmos com a força e raiva de uma velinha

- Pois que assim seja Dona Dhalia da Ilusão.

Diz o gerente sem expressão alguma no rosto ajeitando sua gravata.




Enquanto isso, na casa do Silas...

São Paulo, sete e meia da manhã;

Acordei cedo este sábado.

É claro que imaginei; “Bom, agora que já acordei em casa e sei que ainda é sábado vou sair e passar o dia inventando atividades pra não me meter mais no assunto da minha irmã”.

Mas  é claro que eu só imaginei.

-  Como ela pôde ter confiado num velhote e não foi por conta própria checar o escritório do próprio namorado pra pegar seus pertences pessoalmente, aquele não era o lugar de um crime.
Porquê ela foi tão idiota Cometa?

E meu gato como de costume dispara a miar além do normal após eu terminar uma sentença dirigida a ele.  Mas desta vez foi diferente.

É certo pra mim que de alguma forma ele conversa;
Ele costuma ser um gato estranho diariamente e já não me surpreendo além da conta com ele, foi um gato que apareceu na porta da minha casa quando estava trabalhando com jornalismo em Corumbá, apareceu todo pintado parecendo um palhaço Siamês bizarro. Como podia? Um gato todo colorido? Mas quando dei banho nele vi que era tinta de um enfeite que algum ex-dono de mau gosto pintou ou alguma criança maldosa para rir do bichinho.

Mas aquele dia ele miou, e correu pela casa toda, pendurou-se por tudo que via pela frente e finalmente derrubou minha estante de livros.

- Mas que droga de gato! O que acontece com você seu gato maluco!?

E então avisto entre os livros espalhados um pequeno livrinho com uma capa dura toda cor de vinho com uma cordinha amarrada em volta.

De onde vinha aquilo?

Não havia nada que fazia eu lembrar de onde vinha aquele livrinho que por algum motivo eu ainda não havia me aproximado para pegar. Apenas tentava lembrar por instinto de onde vinha  antes de  abrir e ver do que se tratava.

Então olho pela a janela do quarto e vejo um gavião voando em direção a mim segurando um pequeno roedor morto.
Mas num movimento e numa velocidade impossível ele desviou-se para o alto e sumiu antes de atravessar a janela, e na mesma hora eu lembrei de onde o livrinho viera!

- Meu Deus Cometinha! Esse livrinho foi o namorado da minha irmã que deixou comigo, naquele dia em que teve uma festinha na casa da mamãe para introduzir ele na família, antes de ir embora ele me entregou um livrinho após termos uma conversa sobre lendas que eu havia noticiado quando trabalhei no jornal em Corumbá, estava falando pra ele sobre o livro que eu estava escrevendo sobre estas lendas e ele me deu este livrinho dizendo que eu me interessaria por ele no futuro!

E num pulo agarrei o livrinho, louco  pra ler tudo que tinha nele, e na primeira página estava escrito:

“Instinto também é mágica, siga seu instinto e a mágica se revelará, você conhecerá suas lendas pessoalmente e dominará a trilha entre os mundos.
Cordialmente
Ezekiel Pereira da Luz ”

Nas próximas páginas havia o conto sobre o Saci Pererê, e no fim do livro haviam doze papéis dobrados com algumas ilustrações que pareciam ser feitas pelo próprio Ezekiel , eram algumas casinhas estranhas entre flores que cobriam o rosto do Saci que parecia se esconder entre elas. Em todos os desenhos haviam uma árvore enorme com frutinhas amarelas no centro de tudo.

Puxa, mas que decepção.

Do que aquilo me servia agora? Aquilo não indicava nada sobre nada que eu precisasse agora, claro que depositei esperança demais nisso já que estava tão envolvido na ideia do sumiço dele. E além do mais o livro sobre as lendas já estava escrito, já era assunto antigo pra mim.

Resolvi guardar os desenhos na minha mochila e saí para encontrar uns amigos meus que sempre estavam na praça perto de casa.

- Tchau cometinha, cuida aí da bagunça que quando eu voltar eu tomo coragem de arrumar.

E saí de casa desejando inutilmente que o cometinha pudesse arrumar a zona que fez.



No caminho para a praça pensei na história do gavião, claro que foi muito estranho, até mesmo porque aonde moro agora em São Paulo não se vê gavião dando rasante por aí tão facilmente, eu mesmo costumo ver os gaviões daqui de longe próximo as serras ou confundindo-se com os urubus perto de parques ou lixões.  E como ele subiu rápido daquele jeito?

Então um mendigo veio em minha direção fechando minha passagem

- Ei moço! Tem um realzinho aí pra fazer meu dia?
- Nem cinquenta centavos tio! Nessa mochila aqui só tem papel e caneta.
- Então eu tenho uma palavrinha pra você! Uma palavra de parceiro! Espera eu falar um pouquinho!

Desde pequeno tenho uma estranha afinidade com mendigos, eles vêm até mim com frequência e geralmente querem conversar comigo. Então parei para ouvi-lo como costumo fazer mesmo que eu me arrependa na maioria das vezes;

- Sabe rapaz, o tempo morre para os que nascem preparados e sufoca os que nascem condenados. As coisas simples não tem mais graça para os condenados porque nasceram massacrados pelo tempo, eles carregam a cicatriz da escravidão dos demônios e pagam hoje por sua submissão medrosa! Mas o Criador é generoso garoto e nasceram em todos os tempos aqueles que não morrem com o tempo. Ele tem um plano especial pra sua vida garoto. Muito especial.

E eu respondi como qualquer um que não dá ouvidos de verdade a um mendigo

- Valeu meu querido, bom dia pro senhor! Fica com Deus também.

E virei para seguir meu caminho enquanto ele ainda falava

Então ele soltou uma frase com toda a força de mendigo bêbado que ele podia ter naquele momento;

-  Deus? Qual deles!? Por que tem medo de outros Deuses menino? Por que tem medo de mendigo!?

Aí eu me virei e disse em alto e bom som também

- Eu nunca deixei de conversar ou ser educado com um mendigo nesta minha vida! Tanto que pensei nisso antes de parar pra ouvir sei lá o que que você tinha pra me falar!

- Pois é, e também pensou que sempre se arrependia ao fazer isso, e também já esqueceu sobre Deuses só pra justificar sua máscara de bom garoto, quem é você menino? Será que você realmente tá pronto pra vida que eles te ofereceram?

Acho que alguns mais esquentados no meu lugar teriam arrebentado ele na porrada, outros teriam virado as costas com aquilo na cabeça e teriam terminado seu dia lendo ou assistindo algo pra esquecer, a maioria ficaria estarrecida por ele ter “lido” minha mente ou muitos já teriam esquecido aquilo tudo na primeira frase e já estariam comendo um cachorro quente, eu no entanto fiz a pergunta mais absurda e inútil que qualquer outro jornalista do mundo faria;

- Eles? Quem são eles? De quem o senhor está falando?

Então ele me disse calmo com a face serena, completamente diferente de como estava antes, não tinha mais cara de mendigo;

- Obrigado

E foi embora em direção a avenida

- Hei! Seu maluco volta aqui!

Quando me vi gritando para o mendigo voltar, me dei conta de que eu precisava parar de me meter no assunto da minha irmã pra valer, pra mim tudo aquilo ia me levar ao namorado dela de alguma forma. Era muito difícil pra minha cabeça curiosa desistir disso.

Então voltei para meu caminho e continuei sentido a praça. Não tinha mais porque ficar fazendo conexões com essa história, até mesmo por que minha irmã disse que Ezekiel andava escrevendo essas coisas recentemente, ele me deu aquele livrinho do saci logo no início do namoro deles, já faz pouco mais de um ano, eu só estou impressionado de encontrar algo relacionado a ele justamente agora que essa história toda tá rolando.
E aí minha cabeça quer conectar tudo que é pra criar mais emoção pra essa minha vida cinza cheia de carros e praças.
Cheia de mendigos que me mandam ficar com Deus e depois gritam feito loucos.
Só isso.



Enquanto isso, na delegacia...
No sétimo distrito policial do bairro do Butantã na capital de São Paulo, o  delegado Ivanildo Casagrande decide problemas com seus funcionários como costuma fazer todas as segundas feiras de manhã;

- Saco! Saco saco saco saco! Seu papo é um saco de velho senhor Humberto! Não tenho mais saco pra esse seu papo de policial aposentado, bêbado chato! O senhor é um saco! Um saco bem grande de velho chato! São quarenta e cinco anos senhor Humberto! Não tem mais condições pelo amor de Deus vai pra casa! Vai dormir! Vai babar até morrer no sofá! Não quero mais seu monte de papo chato! São milhares de pessoas sumindo por dia nessa cidade maldita e eu não tenho o mínimo interesse, tempo e muito menos desempenho profissional satisfatório disponível pra procurar por eles!

E Senhor Humberto responde com a firmeza sem fim que lhe é de costume;

- Pois eu tenho boas novas ao senhor, pois sou um profissional e estou a  disposição deste distrito policial a quarenta e cinco anos. O senhor pode contar comigo.

E o delegado Ivanildo bate nas pernas e revira os olhos com a pele vermelha bufando um palavrão, levando as mãos ao rosto ele impacientemente de olhos fechados pede ao seu secretário e escrivão que acompanhe o senhor Humberto até os recursos humanos e o carreguem imediatamente numa viatura até sua casa.

Senhor Humberto retruca inconformado
- Mas senhor Ivanildo...
-SEM MAIS MEU VELHO! RETIRE-SE POR FAVOR!

E senhor Humberto cabisbaixo retira-se silenciosamente da sala do delegado, na verdade, não tão silenciosamente assim, antes de sair ele virou-se para Ivanildo e curvou-se gentilmente dizendo;

-Obrigado.

E saiu caminhando sentido aos recursos humanos acompanhado de Rodrigo, um jovem estagiário de 19 anos que é tão calado e reto quanto uma palmeira qualquer que sabe digitar numa máquina e cumprir ordens.

Do jeito que eles gostam, do jeito que eles querem.

Senhor Humberto acerta as contas com o R.H e é acompanhado por Rodrigo calado até uma viatura que o aguardava na esquina da delegacia;

- Bom dia para o senhor detetive Humberto.
Foram as únicas palavras de Rodrigo que senhor Humberto respondeu com sua clássica firmeza curta e grossa

- Tristes palavras garoto, péssima escolha de palavras para um jovem tão calado. Vá trabalhar rapaz.

E entrou na viatura bufando um palavrão.

NA VIATURA

O policial Antônio Pereira da Cruz de 35 anos dirige enquanto tenta dar um sermão no velho Humberto

- Dessa vez você deixou o patrão puto mesmo. Não tinha mais como coroa, você pegou pesado por muito tempo, não tem mais ninguém que faça o que você fez meu velho, acabou já era! Agora é atirar antes de investigar!  Ninguém mais pensa nos infelizes que você condenou porque os cabeção já apagaram o nome deles do hall da fama. As coisas são assim meu velho! As coisas passam! Só fica quem interessa! Quem dá mais grana! Quem mata mais! De uns tempos pra cá você só estava na procura de desaparecidos e isto é coisa que nem pra mídia interessa mais!

E senhor Humberto como sempre tem uma resposta para não ficar por baixo

- Eu sei muito bem do que o mundo é feito rapaz. Eu sei muito bem do  combustível de gosto ferruginoso que ele gosta de engolir, não pense que sou um velho burro. Tenho meus motivos para insistir na minha posição no D.P, tenho meus juramentos a cumprir rapaz, eu jurei perante a lei e perante a nossa bandeira igualzinho você fez, jurei sacrificar minha vida e a de meus familiares por nossa pátria, e você estava fazendo o que? Mexendo a boca enquanto os outros cantavam o hino nacional de verdade?

O jovem policial então dá uma pigarreada desajeitada

- Não, não! É, errr... n-não foi o que eu quis dizer senhor Humberto, não duvido do seu juramento nem da sua seriedade perante a causa da lei mas, mas... o senhor me entendeu vai! O Tempo passou senhor Humberto! 

- Era mais fácil só dizer que também concorda com todo mundo que eu estou velho demais pra acompanhar o ritmo do departamento meu jovem, só isso. Agora por favor pare naquele bar brilhante logo ali que hoje eu não vou pra casa tão cedo. Boa vigília pra você cabo!

E senhor Humberto desce com sua mala cheia de papéis em frente ao “Bar e Casa Noturna Sonhos Distantes do Caribe.”

Uma casa noturna que na verdade é bem fuleira, fica no largo da batata em Pinheiros num bairro da grande São Paulo, colado com uma casa de artigos para Umbanda. Senhor Humberto sempre gostou do cheiro forte do incenso que vinha de lá.

Então ele tocou a campainha de uma pequena porta estreita junta do prédio da casa noturna e esperou.

Após esperar cinco minutos sem resposta ele chamou um dos seguranças da casa noturna que já o conheciam muito bem e lhe entregou sua mala cheia de papéis.

-Aqui está todo meu trabalho rapazes. Deem a ela quando ela puder descer.

E os seguranças então apenas balançaram a cabeça e deram tapinhas de ” condolências “ no ombro do velho Humberto.

O Velho detetive então desce para o terminal de ônibus e senta no pequeno barzinho que tem colado ao ponto, apenas pra pedir algumas cervejas e puxar assunto com o dono do bar que também já o conhecia muito bem. Ao menos achava que conhecia.

Aquele tipo de lugar cheirando a gordura, creolina e pinho sol sempre foi o braço aberto mais aconchegante que acolheu as mágoas de senhor Humberto, é ali que ele baba todo seu juramento e responsabilidades num decorrer de quarenta e cinco anos.

 É  lá que agora ele chora buscando um motivo pra não estar ali e poder ter se tornado um  mágico como ele queria quando criança, ele queria ter ido embora com o circo, ele queria ter dançado com os ciganos, Senhor Humberto queria ter usado brincos e pano na cabeça sem que ninguém risse dele, mas agora o dono do bar escuta todo o relato de quarenta e cinco anos de um mágico ilusionista frustrado que nunca tentou ser mágico de verdade e tornou-se policial.

Então o dono do bar interrompe um dos milhares de discursos frustrados que senhor Humberto choramingava e fez um pedido que pegou o velho de surpresa;

- Então falou Sr. Humberto! Anos e anos enchendo a cara no meu boteco e nunca me contou que aprendeu a fazer mágica quando era pequeno! Agora é obrigação do senhor! Vai! Me faz uma mágica!

Senhor  Humberto então fica vermelho e completamente sem jeito.

A muitos anos que ninguém deixava senhor Humberto envergonhado e muito menos sem uma resposta que o fizesse sair por cima dispensando as opiniões, pedidos ou perguntas das pessoas.
Então ele pergunta baixinho ao dono do bar

- Mas, mas agora!? Assim!? Já? Aqui?

E dois senhores que estavam sentados no canto do balcão mudam suas cadeiras de posição e cruzam suas pernas com muito bom humor aguardando o espetáculo do senhor Humberto

- É claro! Vai Humbertão! Faz aí que eu quero ver! A plateia tá pequena!

E senhor Humberto olha todo envergonhado para os dois senhores que fazem um jóinha com a mão acompanhado de um clássico sorrisinho bem amigável.

Humberto dá uma sacudida nas mangas, abaixa a cabeça, respira bem fundo três vezes e diz

- Tá bem, me passe um daqueles guardanapos e pegue um pra você

E tirou uma caneta do bolso e escreveu a palavra “Arco” dobrando depois o guardanapo bem pequenininho, o outro guardanapo ele pediu para que o dono do bar dobrasse ele mesmo sem que escrevesse nada e segurasse bem forte na mão.

Então senhor Humberto arrancou um fio de cabelo da própria cabeça e queimou junto ao seu guardanapo e pediu para que o dono do bar abrisse a mão e olhasse o que ele mesmo havia dobrado

- PUTA MERDA!

Exclamou o dono do bar estarrecido ao revelar aos dois senhores e a Humberto que no papel que antes estava em branco em sua mão agora estava escrito a palavra “Arco-íris” . E o que é mais incrível, acompanhado de um fio de cabelo literalmente grudado no guardanapo amassado.

Os dois senhores aplaudem animadíssimos pedindo mais uma mágica, o dono do bar não sabe nem o que fazer com o papel em sua mão de tanta emoção

- Senhor Humberto! Tá louco! O senhor é fera! Por que não aproveita que o senhor tá mais folgado agora para voltar a dedicar nessa parada toda de mágica, pode ser até que dê mais grana que a polícia!

Disse o dono do bar acompanhado de uma larga e escrachada risada.
Então senhor Humberto ajeita sua manga e responde um pouquinho mais sério agora

- “Folgado”? Meu caro amigo, fazem quinze anos que frequento seu bar, e mesmo parecendo muito ainda é menos que o tempo que exerci minha carreira, e esta é a primeira vez que venho a um boteco e não tenho a sensação de folga e sim a sensação de perda, uma perda de passados e presentes. Tão queimados quanto aquele fio de cabelo e aquele guardanapo naquela mágica velha de poucos espectadores.

Disse senhor Humberto levantando-se e pagando a conta, e com um profundo suspiro ele cumprimenta o dono do bar com muita firmeza nas duas mãos, olhando firme em seus olhos passando-lhe a sensação de que talvez aquela fosse a última vez que se encontravam.

- Lá se vai um bom mágico

Disse um dos senhores sentados no canto do balcão, enquanto calado, o dono do bar fitava com olhar distante Sr. Humberto se afastar cabisbaixo em direção a plataforma de ônibus.

Enquanto isso, na mídia...

Numa sala normal, num apartamento velho e comum de um bairro antigo de classe alta de São Paulo, uma criança zapeia canais na TV grandona da vovó;

Primeiro canal

- Sequestro relâmpago hoje em dia dona Maria? Não é nada de mais! NADA! Roubar seu dinheiro é um milagre! Hoje o negócio é sequestro e esquartejamento, eles colocam sua cabeça no micro ondas, vendem seus órgãos refogados na empada e oferecem pros seus amigos, pra sua família! Hoje em dia polícia dorme com a arma de serviço na mão, na minha época agente podia deixar a arma de serviço no serviço! Eu sei que você que é ladrão assiste meu programa! SUA MÃE TAMBÉM ASSISTE MEU PROGRAMA! E ELA CONFIA EM MIM MALANDRO! HA! Por essa você não esperava!
Eu não preciso de arma pra mostrar quem eu sou! Eu tenho a voz do povo! Essa é minha arma! A arma da verdade! É a arma que te põe na cadeia vagabundo! É a arma da justiça! Eu não tenho medo de sequestro! Eu não tenho medo de moleque! Vocês sabem aonde é a emissora! Vem me pegar! Vem me pegar!

Próximo canal

- e eu avisei a todos que me deram ouvidos ao longo desses anos! Agora agente come na mão da violência, somos escravos da nossa própria ignorância! Soltamos os cães do inferno e agora eles estão babando feito loucos pelas ruas lotadas, doidos para chupar nossos ossos! Eu não quero mais ficar com minha família trancados em casa! Eu quero ser um homem livre!

Próximo canal

- por que hoje eu falei com cristo, e ele me pediu pra levantar a cabeça, pra parar de reclamar, pra olhar pro lado e falar;
Eu posso, eu posso ter um carro como aquele.
Posso ter uma casa dessas.
Posso ter ...

Próximo canal

- Ha é!? E quem é que tá ligadão na Verinha agora?
- Haaa eu sei eu sei!
- Não! Eu! Eu sei eu sei!
- A Verinha tava debaixo do edredom com o Thiaguinho e o Brasil todo viu de pertinho!
- O quêêê!!??? Então é verdade Thico?
- Opa opa! Acalmem-se meus gladiadores bronzeados! Heróis do confinamento escarlate! Minhas fontes secretas diz...

Próximo canal

- Eu tinha muitas mulheres, nunca tive muito dinheiro mas sempre tive muitas mulheres lindas, nunca tive nada de muito valor cara, só mulherada , muitas mesmo, e hoje eu to aqui nessa merda de emprego que não me dá tempo nem de sentir o cheiro de uma mulher!
Trabalho até de sábado!
Chega domingo não tenho pique nem pra lavar meu...

Próximo canal

- ... volução no mercado! Isso é que eu queria ver! Não quero depender disso pra comer! Por que você tem que aprovar pra eu comer? Por que você é que sabe o que pode jogar na minha comida? Na cabeça do meu filho? O mundo te estrangula pela tela do computador, te assusta pela televisão, te rasga pelos jornais, te matam de boca em boca, de povo em povo eles te matam e te congelam quando você não interessa mais, quando qualquer história não interessa mais  basta rasga-la ao meio e mandar os macacos esquecerem o que viram que todos eles esquecem sem questionar pois são treinados para perder! Só isso já justifica tanto sofrimento!

Então eu não mudei de canal e chamei a minha vó

- Ô Vovó, Vó, Vóvóóóó!!!!

- Oieee to ouvindooo!

- Vovó! Quem é esse moço de amarelo que tá falando na TV?

Minha avó então colocou seus óculos e veio pra perto do sofá para enxergar e ouvir melhor

- Hummm, esse moço é filho de alguém muito antigo, ele foi famoso uma época e agora parece que está pedindo ajuda em alguns programas para voltar pra TV, mas ainda assim acho que lembro de alguma outra coisa sobre ele bem lá atrás...

- Pois eu olho daqui e ele tá brilhando de um jeito todo esquisito pra mim, é estranho a senhora não lembrar o nome de alguém de imediato né vovó!?

- Pois é meu docinho, hoje tive um dia estranho no banco, sabe aquela história sobre seu avô ter entrado lá e retirado tudo do cofre?

- Como vou esquecer 15 horas de gritos histéricos seus repetindo essa mesma coisa vovó?

- Não foram 15 horas, bom, mas enfim, seu avô não esteve lá! Foi um sonho plantado na cabeça dos funcionários, alguém levou nossos pertences e eles não souberam me dizer quem foi. Ao menos Legião não soube e se fez de informante desinformado daquele sem vergonha que nem apareceu para me dar satisfação! Alguém grande tá por trás disso minha querida, e vovó Ilusão vai descobrir e vai dar um jeitinho nisso, agora coma seus bolinhos meu docinho, vovó vai preparar seu suquinho bem fresquinho.

E dona Dhalia vai preparar o suquinho de sua amada netinha como sempre fez ao longo destes 875 anos.
Mais laranja do que água e bastante açúcar pra sobrar no fundo.


Enquanto isso, na Tenda de Estrelas...

Existe um vilarejo chamado “Condomínimo das Fadas e das Peras”, fica no reinado dos bosques do plano das “Tendas de Estrelas” e é conhecido por ser uma região extremamente bela e também cheia de ladrões e negociantes minúsculos de asas, Fadas de todas as cores e sexos vivem nesta região e elas são especializadas em confiscar todos os pertences de quem quer que passe por lá, além de seduzir os que possuem poderes interessantes para que negociem porcentagem de seus poderes com a rainha das Fadas Ladras.
São seres que viajante nenhum quer encontrar em sua caminhada.

Porém apesar de todos os seus poderes e de sua enorme população a Rainha das Fadas Ladras ainda deve satisfações a um superior.
E hoje é um dia que ela precisa falar com ele urgente;

- Ÿorn! Eu preciso que você leve agora mesmo uma carta de apelo ao Plano das lendas!
Preciso que carregue esta carta dentro de si mesma e entregue-a a na mão do nosso senhor Saci, e peça perdão por eu não poder ter feito nada, diga que o fio de cabelo foi queimado ontem a noite e eu não tive tempo de evitar. Ele vai entender quando ler a carta.

E Ÿorn a fiel escudeira da Rainha das Fadas Ladras engole a carta e voa imediatamente sentido ao portal que leva ao plano das Lendas que fica cerca de apenas trinta quilômetros do Condomínimo das Fadas e das Pêras.

Ela passou voando bem alto hoje pois os Sapoláceos estão muito nervosos, eles são répteis desprezíveis que comem qualquer fada que vê pela frente quando estão de mau humor, são guardiões do portal do Arco-íris e hoje alguém infringiu uma lei muito séria.

  É mais um dia daqueles de muito agito e loucura nos bosques das Tendas.

Sapoláceos gritam feito gargarejos banguelas pela manhã, Gnomosapiens chupam cogumelos e pintam árvores para o concurso de beleza, fadas voam alto por suas vidas, ursos beberrões discutem os resultados do campeonato de hidromel (que diga-se de passagem foi uma vitória e tanto para os ursos do “Bosque Leste 01”, que perderam apenas um integrante afogado no processo), os anões hoje estão construindo armas novas em “segredo” (como sempre) por tanto estão em guerra com as árvores do “Bosque Sul 03, 04, 05 e 07”, são as únicas que eles ousam atacar e utilizar da madeira para seus artefatos, um gigante passa assoviando sentido as montanhas das montanhas, os Tamanduaves Bandeira voam balançando ao vento o brasão do Reinado dos Bosques, Bichos Preguiça tentam inventar leis no Parlameamento a céu aberto do Mangue Sagrado dos Urubus Rei enquanto as Mãeritacas gritam com todo mundo para colocar casaco e chinelo pra não pegar resfriado, ir lavar louça antes do papai chegar, arrumar a cama e escovar o dente, essas coisas de Mãeritaca, enfim, tudo isto faz parte da rotina dos bosques e seriam horas e horas relatando o que cada ser esta fazendo em cada ponto desta terra tão bela e misteriosa do Plano das Tendas Estreladas.
Porém o que se destaca é este furo dos Sapoláceos e esta fadinha que agora está atravessando o portal para o Plano das Lendas aonde a loucura e a magia não é muito diferente da do Plano das Tendas, pois lá além de todas as lendas de todos os povos de todos os cantos, também estão as lendas das lendas de todas as lendas de todos os planos. Ou seja, não é muito diferente dos outros planos, inclusive do plano da terra ou de outros planetas.

É um caos descontrolado como a maioria destes lugares.

NO PLANO DAS LENDAS

A fada Ÿorn atravessa o campo de gramas cantantes do plano das Lendas que canta uma canção assustada pois sua música nasce conforme o estado mental da pessoa que o atravessa.

No fim do campo encontra-se parado a beira de uma porteira simples, uma figura escura e encapuzada que desde todos os tempos ali esteve e é encarregada de perguntar aos visitantes o que os trazem até o Plano das Lendas, o encapuzado é um guardião como qualquer outro guardião de entradas de qualquer outro plano.

O negócio de Ÿorn é nos bosques com o Sr. Saci, uma das lendas mais conhecidas entre as lendas trapaceiras do Plano das Lendas, e nunca é fácil explicar o que se está fazendo por lá quando os negócios a se tratar são com o Saci, apesar de todos no Plano das Lendas já estarem cansados de saber com quem as Fadas ladras negociam, elas ainda assim usam de seu extinto negociador para omitir suas reais necessidades de se encontrar com ele.

- Em que lhe podemos ser útil Mensageira das Fadas Ladras das Tendas?
Pergunta o encapuzado de voz grossa

- O senhor já sabe que venho falar com o Sr. Saci, temos negócios a tratar sobre os impostos no Condomínimo.
Responde a Fada Ÿorn com uma certa rapidez atrapalhada clássica de uma resposta decorada.

O encapuzado nunca deixa de dar uma repreendida nas fadas mensageiras que ali aparecem, a rainha sempre manda uma fada diferente e ele sempre tem o prazer de alertá-las sobre suas medidas de segurança;

Então com sua voz bonita, educada e assustadora ele responde:

- O campo de gramas cantantes sempre canta uma canção assustada quando as Fadas das Tendas se aproximam de nossas entradas, nunca nos preocupamos muito com seres assustados e pequenos como vocês, estamos cheios de fadas aqui também e sabemos muito bem como lidar com seu povo.
 Mas faço questão de sempre alertar a todos os guardas sobre cada mensageira do seu plano que aqui chega para falar com o Saci.  Nós temos todos os olhos e todos os ouvidos, somos todas as árvores e todas as nuvens, somos muito mais que cada uma das estrelas que parecem não ter fim no seu plano de Tendas Estreladas.
Espero que acredite na fama de loucos organizados que temos entre os planos jovem fada.

Seja bem vinda e tenha ótimos poucos minutos em nossos domínios senhorita Ÿorn.

E o encapuzado que a todos conhece, abre a porteira simples de madeira que desde todos os tempos desmancha ao ranger da cerca emaranhada e enferrujada.

A fada Ÿorn que assim como todas as outras mensageiras e todos os outros seres de todos os outros planos está cansada de saber que o povo das Lendas adora reforçar esta fama de “loucos organizados” porque assim como em outros planos e planetas eles vivem num caos sem controle.  

Todo lugar que a Fada Ÿorn conhece tem seu moralismo descontrolado e medroso, eles sempre mostram suas garras de papel antes de cair do alto de pilhas altas que seus povos acumulam com seus papéis e suas organizações carregadas de soluções para seus vícios e ordem para suas loucuras.

- São tão desprezíveis quanto sapoláceos fedorentos.
E aquelas gramas cantantes não são de nada pois não sinto medo algum. Sinto é raiva dessa gente chata, e pressa de ir embora deste plano de personagens infantis metidos a besta.

Pensa a Fada Ÿorn enquanto atravessa a “Trilha Dourada” sentido a região central dos bosques, aonde é impossível de não encontrar pois é a única trilha dourada a se seguir.

Então do alto de alguma árvore uma voz alta recita, fala, reclama, alguma coisa e a pequena Ÿorn acelera seu voo desistindo de procurar de onde vinha a voz que exclamava e perguntava;

- A vida é uma tragédia quando a nossa canção nos mata de amor pela coisa errada, quando os olhos veem a carcaça morta e o coração despedaçado, a alma cai em dilúvio e seca como as mãos de um velho trabalhador que morreu de tanto amar seus erros. O amor falso é um trabalho que morreu de tanto matar e de tanto embebedar famílias, mas existem mundos que adoram se afogar nele. É lá que eles encontram seu progresso. E você gosta do amor falso dona fada? Gosta de progresso e de famílias bêbadas?

E Ÿorn continua a bater suas rapidamente sentido ao centro

- Não quero papo com você seu sei lá o que você é! Sai do meu caminho!
Gritava a fada enquanto voava com as mãos nos ouvidos

Então um forte estrondo derruba Ÿorn de seu percurso e ela desmaia caindo entre as folhas secas. Quando um homem enorme com uma notável corcunda sai de trás dos arbustos segurando um enorme cano de ferro;

- Eeeeta mariposa sem graça! Que raios você quer com isso Dona Matinta? Não dá pra nada essa coitada!

E Dona Matinta responde
- Deve ter uma carta importante dentro dela, precisamos abrir a barriga da fada! Vai parceiro! Faça isso!

O Corcunda então responde defensivo
- Vai? Vai o que? Vai aonde? Já derrubei ela com o cano de berro sem machucar igual você falou, e agora você quer que eu rasgue a barriga dela? Tá doida véia?

Então Matinta em tom impaciente ordena mais uma vez;

- Eu queria que você derrubasse ela inteira pra não danificar a carta lá dentro! Agora preciso da carta! Preciso que rasgue a barriga da fada e pegue a carta pra mim! Só isso! Estou farta de me sujar de sangue por hoje!

E o corcunda responde com uma risadinha irônica;
- Haaa tá mas é claro, mas que moleza, até parece!
Pois eu não vou rasgar nada não, nem tenho estômago pra isso! Num rasgo barriga de ninguém não!

E Matinta grita muito mais impaciente agora:

- Como você pode? Você queria mata-la de qualquer jeito! Eu que pedi pra derrubar no cano  de berro! Qual a diferença? Não brinque comigo e corte já a barriga dessa infeliz!

E o corcunda insiste:

- Pois se eu mato eu dou um tiro só e pronto, bem de longe que é pra não me sujar de sangue! Você tá cansada de saber isso! Não gosto de abrir nada na faca, nem peixe! Você é que é a especialista em abrir tudo na faca aqui! Você que vive fazendo sacrifícios, rituais! Por que não abre logo e para com essa frescura de que tá cansada? Somos parceiros Matinta! Eu não sou seu escravo não!

Então Matinta que já estava bem nervosa e apreensiva pega seu punhal mágico com as mãos trêmulas, os olhos vidrados e dentes serrados de raiva e enfia com tudo na barriga da pequena fada.
Então o corcunda dá uma forte gargalhada e diz para Matinta;

- Ha! Olha aí o que você fez! Disse pra ir com cuidado mas afundou a faca na bichinha! Deve ter rasgado a carta! Hahahahaha! Véia atrapalhada!

E dona Matinta retruca enquanto puxa de volta a faca com as mão cheias do sangue lilás que as fadas soltam;

- Você me deixou nervosa! Esse aqui é o punhal vivo! Ele finca fundo quando está na mão de alguém nervoso!  Agora vou ter que puxar o punhal com cuidado para abrir um rasgo mais raso! A culpa é sua! Que erro que cometi em confiar em você! Que erro! Que idiotice!

Antes de o corcunda começar a retrucar, a mesma voz que havia falado com Ÿorn antes de ela ser atingida pelo estrondo, voltou a soar bem alto da copa das árvores interrompendo os dois parceiros que se entreolharam surpresos;
Então a voz gritou:

- Ha sim! Agora sei quem são vocês! Vocês são os caçadores! São os caçadores de cartas engolidas! Desculpem-me mas vou ter que levar a fada comigo!

E aquele vulto preto absolutamente veloz desce do alto das árvores e volta na mesma velocidade carregando o corpo ensanguentado da fada Ÿorn junto com ele, desaparecendo sem deixar rastro algum, a não ser a direção para a qual sumiu dentre as árvores;

Os dois parceiros ficam em silêncio por alguns segundos e então começam a culpar um ao outro como costumam fazer;

- Tá vendo? A culpa é sua! Me distraiu e aquele passarinho preto veio e roubou a fada! Seu imprestável! Agora é mais um tempão pra achar essa carta!
Gritava Matinta inconformada

- Ha claro! Claro! A culpa é sempre minha! Eu nem sei que carta é essa direito, você nunca me abre nada! Ainda faço muito por você sem saber o que estou fazendo! Você não faz ideia do que era aquela coisa preta? Como pode ser tão rápido? Que negócio é esse de caçadores de cartas engolidas?
Perguntou o corcunda sentindo-se injustiçado

- Que caçadores de nada meu querido! Era um louco falando loucuras, devia ser um pássaro ladrão muito rápido, nada mais me surpreende nessas terras! Agente não estava atrás de coisa pequena, era uma carta para o Saci! Uma carta que fala sobre a abertura sem autorização de um portal que se não me engano vai pra terra. Preciso saber mais sobre isso meu bem. Preciso saber muito mais! Pessoas poderosas devem estar atrás dessas informações agora! É o começo para a nova revolução!
Disse empolgada Matinta enquanto limpava as mãos cheias de sangue em sua túnica.

Então o corcunda responde com certa ironia
- Então finalmente você me conta realmente do que estamos atrás, me conta justamente depois que perdemos o que procurávamos!

Matinta responde
- Pois é, daria na mesma! Perderíamos para aquela coisa de qualquer jeito! Agora temos que continuar andando sentido leste!

Mas o corcunda insiste e pergunta;
- Talvez se você tivesse me falado eu teria tomado outras medidas e já estaríamos com a carta na mão! E porque vamos pra leste? Dá pra me falar isso ou é segredo até alguma outra coisa dar errado também?

Então Matinta responde calma e confiante enquanto mexe em sua bolsinha;

- Por que é pra leste que aquela coisa foi carregando a fada, eu sou a Matinta meu querido, conheço as florestas melhor do que conheço um rolo de fumo.

E Matinta pega seu cachimbo inseparável para dar algumas longas pitadas em silêncio, então ela respira fundo, fecha os olhos, conta até três e arremessa o punhal vivo numa ave gorda que passava pulando entre os arbustos.

- Por que fez isso coroa? Tá com fome?
Perguntou espantado o corcunda com a reação tão repentina de Matinta

- Não meu amigo, fiz isso porque agora tenho que forjar um sacrifício antes de sairmos atrás da carta. Se os guardiões do punhal vivo souberem que usei o punhal sem sacrificar a presa do punhal da devida forma eles irão descontar a raiva deles em minha alma.

E o corcunda pergunta
- Mas então não teria que sacrificar a fada? Não foi ela que o punhal matou?

E Matinta que já seguia se vira para o corcunda e diz;

-E quem disse que ela morreu?
Vou colocar a ave no meio de alguns desenhos no chão e já volto meu querido.
Fique de olho nas copas das árvores pra mim.

E Matinta caminha para dentro da mata fechada com as mãos sujas de sangue de ave gorda.


FIM DA PARTE 2


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PARTE TRÊS

 “Aonde as primeiras pistas sobre Ezekiel aparecem, lendas exigem saber sobre suas origens, Zara compreende sua jornada, fadas montam exércitos, a fada Ÿorn dá umas belas resmungadas e o Saci fica puto da vida”



Em uma pequena casa em São Paulo uma moça está sentada numa cadeira de escritório com a porta da casa aberta  e olhos arregalados e pregados na entrada.

O tapete da entrada aonde está escrito “Bem Vindo” que de onde ela está se lê “odniV meB” se embaralha e embaça quase que por completo através de seus olhos mareados da angústia da espera.


Ela pensa;
- Já fazem quantos dias mesmo? Quarenta e cinco? Quarenta e oito? Nenhuma ligação, nem ao menos um trote, nada, nem o Humberto, nem ninguém de nada, Odniv Meb é tudo que eu vejo, é só o que me passa pela cabeça agora...
Odniv Meb...

Então ela ouve de longe uma voz chamar seu nome e quando olha do outro lado da rua vê um homem com cabeça de gavião e asas enormes acenando para ela.  

- Ana Lúcia!

E o que antes parecia ser um gavião com corpo humano era na verdade Silas atravessando a rua gritando seu nome.

- Tá louca de vez mesmo é mana? Porta aberta assim hoje em dia nessa cidade? A quantos dias você não dorme?

 E Silas vai entrando e fechando a porta da casa da irmã, notando a bagunça das roupas e louças pela sala.

- E também a quantos dias você não toma um banho e não move uma xícara ou uma colher de lugar?

E Ana Lúcia finalmente se levanta esticando os braços e endireitando as costas, desabafando sua angústia com o irmão;

- Estava me perguntando agora mesmo quantos dias fazem que ele não volta, por que não recebemos nenhuma ligação, aonde foi parar o Humberto que não atende mais o celular, o telefone do escritório dele dá ocupado, ele só pode estar me evitando, tenho medo, vergonha, sei lá o que de ligar para a sala do delegado ou ir até lá, só quero ficar aqui sentada lendo esse ta...

Ana Lúcia para por um segundo e diz;

- Nossa! Silas! Agora que lembrei! Que porcaria você tava fazendo com uma fantasia de galinha do outro lado da calçada?

Silas espantado com a pergunta senil da irmã responde alterado;

- Fantasia de gali ... Ana Lúcia! Chega disso! Você vai tomar um banho bem comprido agora! Daqui a pouco agente conversa! Entra naquele chuveiro já! Enquanto isso vou ligando pra mamãe e pro papai que estão chegando a qualquer momento!

E Ana Lúcia dá um salto assustado enquanto caminha para o banheiro segurando-se nos móveis.
 Ela pergunta aflita;

- O papai e a mamãe estão chegando??? Como assim? E minha casa tá parecendo um filme de terror? Como você me fala uma coisa dessas só agora Silas?!

E Silas responde;

- Eles estão preocupadíssimos com você e já saíram de Andradas a mais de quatro horas, devem estar para chegar, fiquei sabendo só hoje de manhã também quando a mamãe ligou cedinho, logo antes do meu gato derrubar toda minha estante de livros. Minha manhã começou bem estranha mana e eu já te disse que só conversamos depois de você tomar esse banho! Vou adiantando a arrumação da casa enquanto isso e logo mais telefono pra mamãe pra saber aonde eles estão!

Mas Ana Lúcia insiste apoiada na maçaneta da porta do banheiro;

- Manhã estranha porque? É alguma coisa sobre o Ezekiel? O que foi de estranho na sua manhã?

E Silas dá um só grito;

-BANHO!

E ela entra no banheiro sem falar mais nada.

Silas tenta colocar um cd no rádio para ouvir um som enquanto arruma a casa mas o rádio devolve todos os cd’s que ele tenta colocar, então ele acaba sintonizando numa estação qualquer e fica surpreso ao ouvir que está tocando a música de um cantor que ele gosta muito e que mesmo já tendo gravado dois ou três discos e morrido a bons anos atrás ele absolutamente nunca havia ouvido uma só canção deste cantor na rádio, ao terminar a música o locutor diz; 

- Essa foi para aqueles que conheceram a boa música psicodélica do sertão que estourou no final dos anos setenta e no início dos anos oitenta no Brasil, essa música foi de quando os artistas andavam de perna de pau pelas ruas convidando as pessoas para um grande espetáculo, essa foi uma das que muito pouco tocou nas rádios e que só tocou hoje porque Silas Brandão Lopes Neto está conosco diretamente da sala da casa da irmã dele! Não é isso mesmo Silas? Boa tarde pra você meu querido!

Um silêncio mortal se estabelece na sala e Silas fica paralisado em choque sem saber como desviar seus olhos do rádio, sem conseguir gritar para sua irmã ou soltar um palavrão assustado qualquer, na esperança de que algum outro Silas Brandão Lopes Neto estivesse  na sala da irmã do outro lado do telefone falando com o locutor da rádio.

Mas o silêncio continua até o locutor voltar a chama-lo agora com um pouco mais de pressa e euforia;

- Silas! Agora é sério! Não temos muito tempo! Sente-se rapidinho no sofá.

Silas então lentamente encosta a vassoura e senta no sofá, a voz do locutor lhe causa tontura e ecoa em sua cabeça como se fossem vozes por de dentro fazendo com que ele não consiga ao menos pensar em uma pergunta absurda qualquer, e é somente neste momento que ele nota o ventilador ao lado da estante girando lentamente seguido de um estranho borrão no ar, como se fosse uma imagem em câmera lenta;

Ele na verdade estava dentro de um canal paralelo do espaço/tempo, aberto através de uma comunicação feita por uma pessoa de um plano fora da orbe terrestre, esta pessoa utilizou das ondas do rádio para ajustar sutilmente sua frequência às ondas emitidas pelo cérebro de Silas, assim ele pôde simular imaginações ao seu cérebro criando para ele uma realidade aonde o locutor da rádio falasse com ele.

Devido a infiltração da informação ser através das ondas de manifestação espontânea do consciente coletivo, tudo o que é dito pelo locutor é automaticamente gravado no cérebro de Silas como se ele mesmo tivesse pensado aquilo. 
Por isso as palavras ecoam dentro dele desnorteando seus pensamentos fazendo com que ele respire angustiadamente tentando balbuciar alguma coisa para o locutor da rádio que devido a sua pressa acaba por se manifestar novamente;

- Silas! Os desenhos dentro do livro do Saci! Vai até a pereira e apenas diga em voz alta que fui eu que te mandei até lá!

Silas mais do que confuso responde;

- Livro do Saci? P-pereira? Aonde? E-eu quem? Quem é você? Que diabos é isso?

E o locutor responde;

- Sou eu Silas! Ezekiel oras! Quem mais te falaria sobre o livrinho do Saci? Finalmente você se conectou pra valer com a história e eu pude abrir este canal para conversarmos. Você vai achar a pereira cunhado! Se você chegar aqui eu consigo finalmente voltar pra casa! Não fale sobre isso com ninguém! Até porque não vão acreditar em você e vão achar que está louco é claro! Eu estou bem Silas, e amo este lugar! Só que fiz algo errado e agora estou preso aqui, na entrada para cá lhe será entregue uma pedra e você deverá trazê-la pra mim! Só isso e eu poderei voltar pra casa e viver minha vida normal entre os dois mundos numa boa! Vou poder casar com sua irmã, trabalhar no observatório e ter um portal dentro da...
Ops, estou falando demais.
Foi mal pelo susto da brincadeira do locutor meu querido!
Hahaha! Abração Silas! Conto com você! 
Câmbio desligo!

Então o ventilador volta a girar rápido e o rádio começa tocar uma música ruim que é o que normalmente estaria tocando numa rádio, tudo voltou ao normal menos o Silas é claro, que ainda pasmo se pergunta ;

- Eu realmente vivi isso? Eu realmente...

E então uma buzina toca na entrada da casa seguida de um grito de mulher;

- Ana Lúcia! Silas! Mamãe e papai “chegooouu”!!!

E senhor Salvatore pai de Silas e Ana Lúcia repreende sua esposa como de costume;

-  Precisa fazer um escândalo ridículo desses na porta da casa da menina sua mulher louca? Parece um frango morrendo! Que vergonha!

Mas dona Altéia como sempre retruca a favor de sua devoção e amor exagerado e escandaloso pelos filhos;

- Eu grito de amor ao contrário de você que só grita de raiva seu véio amargo! Só resmunga igual uma porta velha! Minha menina precisa de ânimo, de buzina, de grito de alegria da mamãe, de pudim de chocolate tá!? Eu vou lá com minha boneca se você me dá licença! 

E dona Altéia vai abrindo a porta do carro enquanto senhor Salvatore grita de raiva por ter que parar de estacionar o carro para ela poder descer.

Silas vai abrindo a porta da casa enquanto Ana Lúcia avisa de dentro do banheiro que já está para sair, Silas apenas tenta esquecer por alguns minutos o que acabou de acontecer para  poder receber os pais com o mínimo de normalidade possível e dar qualquer desculpa para se retirar por um tempinho e analisar com calma os desenhos que estavam no livro do Saci.

- Mamãe! Que bom que já chegaram! Foi bem de viajem?
Pergunta Silas segurando sua ansiedade 

E Dona Altéia já vai abraçando seu filhinho e despejando suas malas pela sala;

- Oi meu docinho, meu soldadinho de ouro! Eu estou ótima, você que está magro e amarelo demais! Está escovando bem estes dentes? Por que eu to vendo daqui e sua  gengiva tá escura demais! Seu cabelo tá ridículo né? Parecendo uma peruca de palhaço! Cadê sua irmãzinha? Minha florzinha do campo de deus? Cadê?

- Tá tomando banho mãe, poxa mãe, soldadinho de ouro... minha nossa quando que a senhora vai parar com essas coisas?

- Xiiii sai pra lá você também! Tá ficando velho tá ficando igualzinho seu pai! Igual uma porteira velha rangendo o tempo todo.

E dona Altéia bate na porta do banheiro chamando Ana Lúcia

- Docinho! Mamãe chegou! Pode abrir a porta que a mamãe te abraça peladinha mesmo! Igualzinho quando você nasceu!

 E senhor Salvatore vai entrando carregando mais malas e sacolas cheias de comida;

- Minha nossa senhora do céu, é eu chegar perto dessa mulher pra eu ouvir uma besteira que não tem sentido! Isso é jeito de falar com a menina Altéia? Ela já é uma mulher!

E dona Altéia responde bem alto;

- Não tem sentido pra quem não sabe que neném nasce pelado seu matuto ignorante! Eu falo como quero com meu neném.

E Silas pergunta em tom irônico enquanto ajuda o pai a carregar as coisas para a cozinha;

- E aí papai! Viajem divertida?

E senhor Salvatore responde mais sorridente;

- Meu ouvido do lado direito tá cada vez pior, então eu abri a janela pra ouvir o barulho da estrada e o motor do carro que anda um pouquinho barulhento, então ficava bem difícil de ouvir sua mãe, foi a nossa melhor viajem em muitos anos meu filho pode ter certeza!

E senhor Salvatore e Silas dão uma longa gargalhada e um longo abraço de saudade.

Enquanto isso Ana Lúcia vai saindo do banheiro enxugando seu cabelo;

- Oi papai, oi mamãe!
Diz ela forçando um sorriso

Então dona Altéia dá um grito mais histérico do que de costume 

- Meu deus minha princesa o que fizeram com você? Você tá magra tá chupada! Tá parecendo uma criança abandonada com sede e fome, ai minha nossa senhora  aonde que eu tava que deixei minha filinha numa situação dessas meu deus!? Sua casa tá tão suja que só deu pra eu saber que não estava na esquina no meio do lixo porque eu passei pela porta de entrada minha filha! Você está vivendo um inferno imundo e abandonado!

E Ana Lúcia diz;
- E desde quando você me vê depois de um ou dois meses e não diz que eu estava morrendo antes de você chegar mamãe?

Mas Dona Altéia nunca se dá por vencida e só ouve o que realmente quer esculachando tudo e todos do jeito mais absurdo possível.

- Não importa o que você pensa minha filha, você estava abandonada a mais de um mês! Seu namorado sumiu e você ficou aqui solitária! Mamãe devia ter se esforçado mais ainda pra poder ter vindo antes!
Aonde estava seu irmão nos seus momentos de dor? Vadiando aposto! Jogando aqueles jogos imbecis com os amigos velhos de bermuda dele! Escrevendo as coisas imbecis que só ele e os amigos imbecis dele conseguem rir? Desistindo de novo de outro emprego de jornalista para insistir nessa coisa idiota de escrever essas maluquices e abandonar a irmã que perdeu o namorado!?

E dona Altéia então vira com um olhar furioso para Silas e se vira de volta para continuar arrumando coisas no sofá, e Silas fechando os olhos e tentando não gritar como a criança que sempre foi diz chateado;

- Mãe, eu escrevo crônicas, eu me formei em letras, eu sou um escritor, jornalismo sempre foi um bico! Faço as pessoas rirem com os absurdos que escrevo! Já me inspirei várias vezes na senhora em livros que venderam até que bem, lancei meu sexto livro de crônicas e você em algum momento ficou orgulhosa de mim? Não! Está sempre furiosa e preocupada! 
A senhora é um furacão de dramas e problemas mãe! E aonde tá o Ricardo agora? Heim? O orgulho da mamãe deu uma de super homem pra salvar o namorado da mana? Tirou grana da orelha pra fazer alguma coisa? Ou só te comprou uma televisão maior que seu pôster do Roberto Carlos?
Agora EU estou aqui! EU comecei um dia maluco na minha vida hoje por causa dessa merda toda! Não podia ficar aqui com a Aninha mas nos falamos sempre por telefone! Eu sempre sei o que está acontecendo!

E quando Silas acaba de dar seu enorme e chato discurso ele se dá conta de que dona Altéia estava fazendo outra coisa e ignorando tudo que ele tinha falado, pois devido as discussões serem sempre as mesmas ninguém mais ouve ninguém e todos continuam fazendo as coisas como se não estivessem discutindo nada demais. Na hora até parece que dona Altéia está realmente dando atenção para a bronca mas ela faz isto involuntariamente como um cachorro que ladra ao ver a moto passar.

Ana Lúcia continuava enxugando o cabelo e falando sobre o telefone que não toca, senhor  Salvatore estava guardando as coisas no armário e falando alguma coisa sobre motoqueiros e dona Altéia arrumando coisas pela sala enquanto reclamava sobre ninguém da delegacia prestar e o Brasil não trabalhar direito e ninguém no mundo fazer nada correto por tanto o namorado da filha dela continuava sumido e o salário mínimo continuava uma porcaria. Mas ela dizia que graças a deus ela estava lá para poder fazer pudim de chocolate para todos e a filinha dela nunca mais ficaria abandonada como ficou.

Então Silas se deu conta de que se ele pegar a mochila bem devagar e sair de fininho ninguém iria notar.

E foi o que ele fez.

Saiu da casa e chamou o primeiro táxi que viu e foi pra seu apartamento aonde poderia analisar tudo com mais calma;
Definitivamente só o que importa para Silas é entender essa coisa toda, como aquilo podia ter acontecido, claro que não foi loucura! Silas não acredita em surtos de loucura assim sem mais nem menos! Nunca lhe aconteceu nada parecido antes, a não ser coisas e cenas estranhas que via quando criança, mas que por repreensão dos pais e dos irmãos acabou traumatizando tanto que esqueceu da maior parte das coisas que via.

 Ele se pergunta se era mesmo o Ezekiel falando pelo rádio? Será que aqueles desenhos realmente podiam leva-lo a ele? Como o tempo ficou lento daquele jeito? E se realmente fosse o Ezekiel como ele podia saber que Silas já havia encontrado os desenhos dentro do livro?

El então tira os desenhos da mochila e mais uma vez analisa cada detalhe enquanto não chega em casa e desta vez entendendo que as árvores com bolinhas amarelas eram pereiras e dando agora mais atenção a isso notou que debaixo de todas elas tem uma pedra com um círculo desenhado dentro.

Mas infelizmente, assim como tudo que está acontecendo, aquilo ainda é muito confuso para Silas e isso é só mais um sinal estranho no meio destes desenhos tão mau feitos, ele realmente não consegue ter lembrança alguma sobre nenhuma pereira que ele conheça, cada vez fica mais difícil de ele entender como aquilo poderia leva-lo até Ezekiel.

Ele pensa que chegando em casa ligará para sua irmã para avisar que voltará amanhã de manhã para a visita de seus pais pois teve trabalho urgente para fazer;


O táxi então alcança seu destino e Silas num salto paga a corrida ao motorista e corre para casa, vai abrindo a porta e largando sapato e blusa pelo chão da sala, senta perto de sua estante e começa a vasculhar suas anotações enquanto já se prepara para abrir com mais calma o livrinho do saci deixado por Ezekiel.

Quando Silas se vira para procurar seu chinelo ele bate o olho no pé da cama e vê o par de chinelos perfeitamente lado a lado sobre um tapetinho laranja que ele nem lembrava mais que existia, sua cama estava impecavelmente arrumada, sua estante e seus quadros, suas anotações, suas roupas, até mesmo os cabos e fios dos aparelhos eletrônicos estavam bem organizados, ele então correu para a cozinha e viu que toda a louça estava lavada e guardada, o chão do banheiro, a privada, o box e até mesmo o teto do banheiro estavam limpos e cheirosos, Silas então ouve um barulho de algo caindo por detrás vindo da porta da lavanderia, quando ele se vira simplesmente não pode acreditar no que viu de relance, era seu gato Cometa parado sobre duas pernas recuando desajeitado com o pelo arrepiado e olhar arregalado e que num pulo torto rapidamente ficou de quatro e começou a miar loucamente como havia feito naquele dia pela manhã.

Silas se arrepia todo pois teve certeza de que o gato estava de pé e ereto como se segurasse alguma coisa e se arrepia ainda mais ao lembrar de ter desejado que Cometinha arrumasse a bagunça que fez logo assim que saiu de casa.

Ao chegar perto do bichano que apenas miava e se esfregava em sua perna, ele repara que perto do gato estava um amontoado de roupas sujas e sua máquina de lavar estava aberta com outras roupas lavadas prontas para serem penduradas.

Silas então se abaixa, pega seu gato no colo e olha bem fundo em seus olhos;

- Cometinha! Cometinha meu amigão, fala comigo! O que aconteceu aqui? Eu te vi de pé mesmo? Você que estava lavando essas roupas?

E o gato começa a lamber a mão de Silas e a ronronar como sempre fez, como se nada tivesse acontecido.

Silas espantado com a possibilidade de acreditar no fato de seu gato ter arrumado a casa com a certeza de tê-lo visto em pé, resolve enfiar a cabeça debaixo da água fria e pensa seriamente em visitar um médico, e enquanto estava com a cabeça debaixo d’agua o telefone toca, Silas já imagina que é sua irmã ou sua mãe muito brava por ele ter sumido sem falar nada, ele já estava com todas as desculpas na ponta da língua;

- Alô?

E uma voz feminina inesperada responde
- Alô? É o Silas?

- Ele mesmo, quem gostaria?

- Silas! Sou eu! Esqueceu minha voz foi?

Silas então dá uma gargalhada envergonhada

- Leda! Claro que sei quem é! É que eu esperava que fosse minha mãe ou minha irmã!

E Leda diz se desculpando
- O meu querido! Quer que eu ligue outra hora pra você poder esperar a ligação delas?

- Não tudo bem! De forma alguma! Eu estou precisando respirar um pouco mesmo! E aí minha amiga o que me conta? Mais de um mês que não nos falamos né!?

- Pois é, mais de um mês que não nos falamos nem nos vemos, tenho muita saudade!

- Eu também Ledinha, ando precisando muito falar com você, é uma doideira você sempre aparecer nas horas que preciso tanto falar com alguém que possa acompanhar meu raciocínio. Mas particularmente agora a coisa tá mais doida e séria do que qualquer outra coisa que já tenha acontecido na minha vida! Agora mesmo estava me controlando pra não pirar!

E Leda pergunta 
- Você se controlar para não pirar já é normal! Mas me diga então a coisa tá mais doida que a bagunça com os detetives americanos no caso do ET de Varginha?

- Pior que sim... mais doida até que aquela loucura toda em Quixadá. Na verdade acho que digo que é mais doido que tudo isso porque parece que está atingindo diretamente a mim, e eu, ando vendo e ouvindo muitas coisas, realmente precisamos nos encontrar para conversar.

E Leda diz preocupada
- Pois eu também preciso demais falar com você sobre um tanto de coisas, mas me desculpe se estou acrescentando esquisitices ao seu dia estranho, mas estou te ligando principalmente para passar um recado de uma pessoa desconhecida que me apareceu esses dias.

E Silas leva as mãos para a cabeça e pergunta apavorado;
- Não me diga que algo estranho te aconteceu hoje também? Cuidado Ledinha! Será que é aqueles detetives americanos do caso de Varginha? Eu não tinha pensado nisso até você falar agora! Será que são eles que estão me causando alucinações? Sequestraram o namorado na minha irmã? Falaram o que pra você Leda? Por que você falou deles logo de cara? Ai meu Deus do céu o que é que eu fui fazer porque não fiquei com as crônicas desde o começo!? Droga de carreira! Droga de faculdade!

E Leda acalma Silas que estava em prantos falando sem parar

- Calma Silas! Calma nego! Não é nada disso! Não tem detetive nenhum, ninguém desconfia de ninguém! Calma!
 Na verdade nem foi hoje que me aconteceu, foi ontem que um velhinho com um rabo de cavalo comprido tocou o interfone e pediu para que eu descesse no hall do prédio pois não podia levar muito tempo, disse que não podia falar diretamente com você então me deixou um pacote e disse para que eu te entregasse. Eu perguntei pra ele por que ele não podia te entregar diretamente e porque justamente eu deveria faze-lo, então ele disse que assim era o destino e que eu era a única coisa que poderia acalmar seu coração em momentos tão diferentes e difíceis ele pediu para que nos encontrássemos pessoalmente e que eu lhe fizesse um convite.

E Silas então tentando conter o choro de nervoso que ainda sentia, procurando encontrar um pouco mais de calma ao tentar esquecer os detetives do caso Varginha.  Pergunta;
- Velhinho com rabo de cavalo? Pelo amor de deus Ledinha! Me fala logo que convite que ele fez?

- Sei que parece que você não está podendo parar para descansar agora, mas na verdade ele pediu para que eu te convidasse para o sítio da minha avó lá em Minas Gerais, não entendi como ele conhecia minha avó e como podia ser coincidência o fato de eu ter acordado naquele dia pensando no sítio e pensando em te ligar para te chamar para lá passar o final de semana. Doido né!?

E Silas sente um calor interno e seu pranto cessa automaticamente, então ele pergunta;
- Meu deus, mas que loucura, que coisa mais esquisita é essa? Espero que não tenha nada com aqueles detetives malditos mesmo. Você abriu esse pacote? Viu o que tem dentro?

E Leda diz se desculpando
- Mas que droga que eu fui falar desse caso Varginha heim? Me perdoa amado! E claro que não abri o pacote, estou esperando você para abrir!

E Silas impaciente insiste com Leda:
- Então pare AGORA de esperar e abre este pacote que eu quero saber logo o que é.

Leda então abre o pacote rapidamente pois também já não se aguentava de curiosidade e fica em silêncio por um tempo procurando se não tem algo mais na caixa.

Silas pergunta aflito
- E aí Leda? O que é que tem aí?

E Leda responde mais intrigada ainda com o excesso de “coincidências” e esquisitices;

 - Cara, tem uma pêra aqui dentro. Só isso. Uma pêra verde ainda... E o sítio da minha avó se chama Sítio das Pereiras, meu avô vendia frutas quando era vivo e o sítio deles tem um pomar imenso. Que viajem né! Que velhinho sinistro! Não me deixou o nome dele nem contato algum, veio aqui me deu a caixa e me falou isso. Parece que é pra gente viajar junto mesmo heim gato? Comer umas frutinhas frescas? Tomar um cafezinho da vovó, que tal?

  E Silas basicamente em choque quase não se contem de tanta emoção ao responder

 - Meu deus, minha nossa Leda! A pêra, a pereira meu deus do céu! O Ezekiel, o rádio, a voz! Você não faz ideia da loucura minha amiga, acho que eu vou vomitar de tanta emoção!

E Leda interrompe Silas que estava completamente eufórico.
- Ei ei ei Silas! Calma aí meu querido, vc tá demais! O que que foi? Me explica com calma!

 E Silas sem explicar nada apenas pensa em encontrar com Leda o quanto antes
- Leda, você pode vir aqui? Rápido! Acho que vai ser mais seguro se você vier.

E ela responde pronta e sem demora

- Estou chegando gato. Na verdade eu já estou no caminho a alguns minutinhos!

 E Silas vai tomar um banho e preparar um chá para ver se controla a tremedeira enquanto espera Leda chegar, ele liga o rádio bem alto pois uma sensação estranha e profunda de medo tomou seu coração e Silas percebe que não tinha essa sensação desde muito pequeno, desde quando ele tinha sensações e visões estranhas que faziam sua irmã chorar de medo, seu irmão mais velho lhe caçoar e sua mãe lhe dar bronca por inventar coisas para assustar os outros.

Ele sente todo este medo congelante misturado com uma fé e confiança no desconhecido que ele nunca nem sequer ousou pensar em existir, quem dirá em possuir.



Enquanto isso, na Tenda de Estrelas...

Sob um Abacaxiteiro demasiadamente enorme está sentado um gigante que encontra dois papéis que para suas proporções gigantescas são coisinhas minúsculas impossíveis de se ler.
Então ele resolve acordar a gatinha que estava dormindo em seu sapato (que também é menor do que já poderia ser para seu tamanho todo), ele quer saber se ela pode ler aqueles papéis pra ele. 


- Ô gatinha! Gatinha danadinha caroneira dorminhoca! Uhuuu
Chamava o gigante com sua voz desajeitada bufando sobre a gatinha 

A gata Zara que estava por acordar com a vista embaralhada pelo sono, esfregando os olhos para enxergar melhor entende que o vento quente vem da respiração do enorme gigante que lhe fitava bem de perto enquanto ela acordava.

- Bom dia gatinha danada de roupinha! Tava tirando soneca no meu pé é!? Dormiu foi um tempão!
Diz o gigante com sua voz grossa e meiga

A Gata Zara então se ajeita, bate a poeira de sua roupa e diz;

- Saudações gigante guerreiro das montanhas! Como posso lhe agradecer pela carona tão sonora e segura?

O gigante então responde;
- Xiiii gatinha titica, sabia que isso ia acontecer! Não to ouvindo bulhufas do que você tá falando, vem aqui no meu ombro perto do meu ouvido.

E o gigante pegou a gata Zara e colocou-a no seu ombro afim de ouvi-la melhor

Ela novamente se ajeita e diz

- Aham, pois bem senhor gigante, quero apenas saber como posso agradece-lo pela carona e também gostaria de saber aonde estamos!

O gigante então responde

- Como agradecer já está fácil, é só ler pra mim o que tem nestes papeis aqui que acabei de encontrar olha só, são pequenos demais pra mim.

E o gigante mostra os papéis para a gata Zara que está tão pequena que poderia se cobrir cinco vezes com um dos papéis.

O gigante então segura a gatinha acima dos papéis e se abaixa bem pertinho para conseguir ouvi-la.
As primeiras sentenças estavam borradas mas a gata Zara pode ler o restante que dizia;

 “Os portais entre as dimensões do Plano das Tendas Estreladas são os mais vulneráveis de todos os planos paralelos das galáxias, o que leva muitos a pensar que seus portais são protegidos por algo além que seus guardiões.”

A gata Zara então interrompe a leitura;

- Eu não vou continuar a ler essa anarquia! Eu sou uma voluntária das missões dos portais aqui das Tendas e sei muito bem o trabalho que imbecis como este que perdeu essas anotações nos dão! No mínimo é algum infeliz que se enfiou aqui por curiosidade e agora já virou comida de Porcrodilo!

E o gigante retruca não mais tão sorridente assim;

- Haaa então a gatinha tampinha não vai ler é? Pois saiba que posso lhe dar uma carona de volta para aonde veio, só que desta vez vai ser aérea. Eu sou o melhor arremessador da liga de arremesso de crânio de orca voadora da tribo sol das montanhas leste 01, senhorita voluntária guardiã que não tá guardando nem o próprio rabo uma hora dessas!

Então a gatinha apenas se ajeita na situação pendurada e desconfortável em que se encontra e continua a leitura sem hesitar mais com seu amigo grandão;

- Hunf, pois bem;

“Apesar de este ser o plano com um dos maiores indícios de invasões terrenas através dos portais, o plano das Tendas permanece estranhamente isento de colônias terrestres e visitas periódicas de cientistas, militares e outras formas de pesquisa e conquista terrena.

Alguns planos estão habituados a este tipo de relacionamento e já fornecem de suas tecnologias e conselhos aos líderes terrenos que estabelecem conexão com seus povos.

A Tenda de Estrelas é um espelho das maravilhas que a humanidade quis fazer mas teve medo de tentar e muitas vezes de continuar a pensar em poder fazer ou ser verdade. Também é um reflexo do que a humanidade poderia ter sido antes mesmo da sua criação ter sido iniciada. Por isso também existe quem diz que o Plano das Tendas é uma zona de experimentos abandonada à mais pura sorte depois que o projeto “Experimento Humano” falhou.

 Porém, assim como todo espelho o Plano das Tendas carrega suas distorções e reflexos indesejados, e muitas destas manifestações são seres carregados de orgulho e ganâncias que transcendem suas naturezas e abusam de suas capacidades fisiológicas tornando-se criaturas poderosíssimas que acabam por ser confundidas com Deuses ou Demônios pelos visitantes terrestres e outras criaturas das galáxias.

Estes seres costumam nos assistir de longe sem intervir diretamente em nosso percurso terrestre, mesmo que eles acreditem em algo que ainda não entendi muito bem e ainda não constatei veracidade histórica, pois alegam ser os antigos bípedes predominantes da vida terrestre e seu DNA é um dos que foi misturado ao de outras criaturas que despertavam interesse no experimento humano e que de certa forma são responsáveis por nos colocar de pé e nos permitir pensar e falar. ”




E a gata Zara dá uma longa gargalhada ao terminar a leitura;

- Ha! “Experimento Humano” mas que lorota mais manjada! Esse papo é velho pra nós que somos daqui! O que não falta é teoria sobre isso. Você não acredita nisso não né senhor gigante?

E o gigante sorrindo olha para Zara e então olha para o céu e diz;

- Como não vou acreditar se eu sou um dos resultados de um dos bilhões de experimentos?
Você é resultado dos reflexos posteriores gatinha, nós somos experimentos que foram introduzidos certa época na terra e que agora que já não cabem mais lá, estamos destinados a vagar por estas terras sustentando a união de nossas poucas tribos restantes espalhadas entre o Plano das Tendas Estreladas e o Plano das Lendas.

 E a gata Zara continua confusa;

- Não sei do que você está falando. Como podem aceitar ser meros experimentos? Do que você está falando? Eu achava que a tribo dos gigantes guerreiros era composta por criaturas fiéis aos caminhos da magia. Você está me surpreendendo. Convivo com feiticeiros por centenas de anos e ainda não ouvi falar e nem vi evidências sobre estes experimentos. 

E o gigante retruca;

- Pois talvez seja por isso que não tenha ouvido relatos de experimentos e também que não me entenda, centenas de anos não são suficientes nem para entender criaturas frágeis como os humanos quem dirá entender que ter sido criado através de um experimento não significa não ter conexão com as fontes de energias naturais.
Somos tão conectados com as forças da natureza como qualquer outro, minha aura existe e funciona como a sua, meu corpo está habitado e nós nos alimentamos e respiramos da mesma fonte. Apenas este corpo é um experimento. Eu não!

Você convive com feiticeiros arcaicos que protegem um sistema falido sustentado por mentiras e aventuras alquímicas. Não protegem portal algum, não tem controle sobre nada. Nem sobre a própria magia. São centenas de anos confinada no mesmo reinado protegendo os mesmos portais não é mesmo amiga? A quantos anos não saía para uma jornada por conta própria?

 Eu estava indo para a montanha das montanhas quando você subiu no meu pé para pegar carona. Acredito que centenas de anos ao menos sirvam para saber o que gigantes guerreiros vão fazer lá todos os anos não é mesmo amiga titica?

E o gigante volta sua face sorridente para Zara que agora está com uma cara enfezada e com as orelhas deitadas para trás;

- Pois saiba você senhor gigante, que eu convivo com feiticeiros que mantém os códigos em funcionamento e as palavras em perfeita harmonia para que todo o plano aonde você pisa seja protegido e funcione harmoniosamente sem cair perdido no espaço/tempo virando casa de demônio, não tem outra coisa misteriosa segurando isso aqui, somos nós e nós! Os feiticeiros e as bruxas dos bosques! Por isso os humanos não nos dominam! E se você e sua tribo for um experimento sinto muito mas eu não incluiria todos os gigantes neste absurdo que está me afirmando!


Então o gigante arregala os olhos e com o sorriso que tem na cara a maior parte do tempo diz;

- Sem dúvida alguma você e seus amigos são ótimos feiticeiros, então me diga gatinha, o que você faz assim tão exageradamente pequena e viajando sozinha para o Sul? Está me parecendo que você precisa resolver um probleminha que nem você nem seus amigos puderam resolver não é mesmo?

E Zara defende-se indignada com o gigante;

- Eu- eu, eu não pude resolver porque foi um feitiço lançado pelo respeitado feiticeiro Apopeus o Senhor dos Desmemoriados, se eu chegasse ao castelo nestas condições e pedisse ajuda para alguém jamais eu seria respeitada novamente entre eles. O que já dá um grande trabalho pois sou o único felino que hoje em dia trabalha nos laboratórios e eles estão sempre procurando algo para dizer que eu poderia ter feito melhor! São mais de quatrocentos anos vivendo lá e mais de cem anos desejando que os velhos tempos voltassem e os felinos que antes dominavam o Reino da Feitiçaria retornassem a seus postos de glória.

Foi depois disso que resolvi me candidatar a voluntária das missões dos portais das tendas e procuro caçar pessoas que invadem nossas terras ou vagam por aqui de qualquer outra forma sem a devida permissão, se forem criminosos envio-os diretamente ao presídio dos Aquielaianos, pois nenhum outro lugar poderia ser mais disciplinador do que os jardins de Aqui e lá.

- E se não forem criminosos?
Pergunta o gigante

- Então faço o que posso para devolvê-los ao lugar de onde vieram antes que virem comida, brinquedo, ingrediente ou escravos de alguma criatura insana.
Responde Zara.

O gigante então fala com mais entusiasmo;

- Sim! Essa é você, essa que salva as pessoas de problemas é você, a outra que apenas leva criminosos para a cadeia é uma serva triste e cega tão vítima quanto aqueles que você mesma procura salvar das garras de um Panterodonte. 
Você sabe por acaso para aonde foram muitos dos seus amigos gatos? Seus irmãos e irmãs? Toda elite felina dos bosques sagrados e das torres de trepadeiras dos palácios dos bosques Oeste? Claro que você sabe não é mesmo!? São seu povo! Ou também estou enganado sobre isso?

E Zara fica em silêncio por um instante e então diz;

- Eu prefiro continuar fingindo que não sei. A maioria abandonou seus postos, são desertores, não me interessa seus destinos.

E o gigante dá um profundo suspiro e diz;

- Entendo, assim como você ignora o passado que lhe apresentei você também ignora a verdade do porque sua raça se rebelou contra os Mãos Grandes e os prefimperadoreitos. Tudo isso fez com que a elite desconfiasse para sempre de toda sua raça. Você odeia isso porque quer ser a elite não é mesmo gatinha titica?

E Zara responde alterada

- Eu SOU a elite da feitiçaria junto de tantos outros feiticeiros e isso nunca mudou! Quem mudou foram eles! Eles mudaram! Se rebelaram contra lendas tal qual o erro dos humanos e de tantos outros planos que sustentam guerras infinitas. Eu não fiz parte desta decisão burra porque eu sabia que ia acabar aonde acabou!

-E aonde acabou gatinha?
Pergunta o gigante

- No esquecimento! No nada! Ninguém mais fala deles! Ninguém mais lembra do que fizeram! Se não fosse por mim nos laboratórios as mais sagradas fórmulas felinas teriam sido extintas, milhares de milênios de trabalho perdidos por pura rebeldia e uma história burra e repetitiva. Eu não podia deixar isso acontecer amigo gigante! Não podia mesmo! E mesmo assim ninguém me dá o devido respeito e valor! Veja agora por exemplo! Eu neste tamanho ridículo dando satisfações para um gigante que se diz um experimento e que só abriu a boca pra me provocar!

E o gigante responde com seu sorriso

- Pois então sem dúvidas agora é a hora não é mesmo?

E Zara confusa pergunta

- Hora? Hora do que? Hora de onde? Eu deveria era estar bem longe de você uma hora dessas isso sim! Seja lá a hora do que for pra você!

 E o gigante mantém sua educação e seu sorriso

- Hora essa minha amiga felina, você não faz ideia de como deveria estar comigo! Está na hora de você saber aonde está não é isso que havia me perguntado? E também está na hora de me dizer se sabe o que os gigantes guerreiros fazem todos os anos nas montanhas das montanhas.

E Zara se arruma um pouquinho, dá uma olhada ao seu redor e diz;

- Pois bem, eu sei que os gigantes guerreiros caminham todos os anos para as montanhas das montanhas para passar frio por sete dias no seu topo e depois cozinhar seu corpo por mais sete dias em seu interior. Isso faz com que vocês mantenham a imortalidade não é isso?

E o gigante responde com seu bom humor

- Isso! E também com que mantenhamos esta pele macia e esses lábios carnudos de gigante! HAHA! Brincadeira! A Imortalidade é só um mito dona gata, fazemos este processo por que é a única forma de falarmos com a montanha.

- Minha nossa! Não existe forma menos dolorida de se falar com uma montanha não? Conheço milhares de elementais que falam com a natureza sem precisar furar um dedo.
Diz Zara ironicamente

- Não é a mesma coisa com a montanha das montanhas gata, você deveria saber disto sendo a feiticeira que diz ser. Ela é a senhora de todas as rochas e minérios. Nada na natureza é tão grandioso.
Retruca o gigante

- Eu sei disso meu caro, estava lhe caçoando. Já que você se atreveu a me provocar de tantas formas posso me atrever a perguntar o que vocês conversam com a montanha das montanhas todos os anos?

E o gigante para por um tempo e então começa a segurar uma forte gargalhada e diz com dificuldade;

- Eu não lembro! Haha! Essa é a melhor parte gata! Ninguém lembra de nada! Hahaha!

- Você só pode estar me caçoando, como assim não se lembram?
Pergunta Zara já considerando uma perda de tempo estar falando com aquele ser descontrolado

- Não lembramos pois a grande mãe diz que não suportaríamos tamanha informação e precisamos absorver ao nosso tempo, talvez por isso acabamos vivendo mais e absorvemos com mais facilidade detalhes pouco populares, pois eles já estavam gravados em nosso DNA depois das conversas de quatorze dias, porém viver por mais tempo não é o intuito verdadeiro, é apenas uma consequência de uma busca nobre e natural. 

Não damos nome para esta busca nem nos preocupamos aonde ela vai dar. Apenas nos conectamos com estas informações e interagimos com a evolução nossa e dos nossos arredores a nossa maneira. As respostam brotam com a naturalidade dos fatos. É inevitável.

Disse o gigante levantando-se e ajeitando as costas fazendo com que o barulho que Zara ouvisse fosse mais parecido com um estrondo de tempestade do que com costelas estalando.

- Dona Gata...
Continuou o gigante
- Não importa mais toda esta racionalidade teimosa que você insiste em forçar, você está sozinha agora e está numa busca, você foi predestinada no meu caminho, o velho da minha tribo disse que na minha bota eu encontraria a ferramenta para ler os pequenos papéis que encontraria debaixo do tremendo abacateiro. E quando chego aqui e encontro estes papéis minúsculos impossíveis de se ler, vejo você dormindo entre os buracos da minha bota.
Você escolhe no que acreditar gata, eu estou seguindo meu destino mas estou disposto a ajuda-la se me acompanhar até o fim de minha jornada.
E aí, topa?

E Zara responde confusa;

- Eu não entendo! O que você ainda quer comigo? Você me contradisse tantas vezes que não consigo entender porque deseja ter alguém ao seu lado que procura viver e pensar tão diferente de você. Por acaso o velho da sua tribo teve alguma premonição sobre isso e você está se forçando a se oferecer para me ajudar e a me convidar para sua jornada?

E o Gigante disse seriamente
- Acredite em mim gata, é justamente por ser tão diferente que preciso de você ao meu lado, algo finalmente novo está acontecendo desta vez, diferente de todas as vezes em que coisas novas aconteceram, e acredito ter tudo a ver com a definitiva revelação sobre as informações que você leu naquele papel pra mim, e também com a presença de alguém que ainda não tenho certeza se é a mesma pessoa que “perdeu” estas anotações, mas sei que estes são fatos que estão dando início a uma nova era de informações ao povo das Tendas.

Zara arruma seu chapéu e dando um sorriso irônico diz;

- Pois que seja gigante! Você me despeja suas premonições e loucuras, me dá carona e me ajuda com a poção que preciso e eu faço um passeio contigo até a Montanha das Montanhas que é uma lindeza de lugar. Fechado. Com certeza não tenho nada a perder, mas confesso que prefiro você assoviando.

E o gigante responde meigo e educado

- Pois eu gostei de você dormindo e  também acordada, acredite gatinha, sei que é difícil de acreditar mas sei que seremos bons parceiros! Agora suba na minha mão que vou te erguer mais ainda pra você ter mais noção de onde está.

E Zara responde enquanto sobe na mão do gigante

- Bons parceiros! Sei, sei! Então talvez pra começar você deveria saber meu nome e eu o seu pra você parar com essa coisa horrível e me chamar de gatinha! Tenho Quatrocentos e oitenta e cinco anos, me chamo Zara. E você gigante como posso chama-lo?

 E o gigante sorridente responde bem humorado

- Puxa vida, achei que podia ser gatinha mesmo, por mim você pode me chamar como quiser, de gigante mesmo, senhor grandão, mas meu nome de nascença é Dadaim.

E Zara diz intrigada

- Dadaim!? Tudo bem, seu nome é seu nome e vou chama-lo assim! Mas me diga então, se você é um experimento como tem nome de nascença? Seu nome não deveria ser um número com algumas letras perdidas no meio de traços, barras, asteriscos ou algo do tipo?

E Dadaim responde 

- Eu fui inseminado no útero da minha mamãe gigante que já era um experimento oras! 

E Zara tentando não parecer tão incomodada com aquela loucura toda parou de falar por um momento, e segurando seu chapéu olhou ao seu redor e exclamou surpresa;

- Minha nossa mas que planície mais maluca! Que rochas são essas? Aonde estamos?
Ela avista no horizonte formações rochosas azuis e verdes aonde parte flutuava e parte permanecia no chão estranhamente equilibrada.

- Nós estamos nas Planícies de Alpiel, no extremo do bosque norte, estamos a três dias do bosque Sul.

Então o gigante se agarrou em um dos galhos do Abacaxiteiro e erguendo mais alto ainda a gata Zara ele disse:

- Zara! Olhe bem para aquela rocha pontuda com a ponta branca entre aquele enorme círculo de árvores, me diga o que vê ao redor dela.

E Zara força a vista ao máximo e vê apenas pontinhos voando ao redor de um pico rochoso

- Acho que estou vendo aves sobrevoando uma pequena montanha flutuante, nada demais! É difícil demais de enxergar coisas distantes estando deste tamanho meu caro!
Então Dadaim explica

- Aquilo são as crianças voadoras minha cara, são as Estrelas Matutinas.

E Zara arregala os olhos para Dadaim com a boca aberta

- Não pode ser! Você só pode estar brincando. As Estrelas Matutinas ascenderam às galáxias e mantém o equilíbrio das energias entre os planos sem precisar estar dentro da nossa atmosfera. Elas voam com seus brinquedos pelo espaço já fazem algumas centenas de anos!

E Dadaim responde firme e confiante como de costume

- Pois eu lhe digo que aquelas são as mais puras Estrelas Matutinas e é exatamente para lá que estamos indo antes de prosseguir nossa caminhada!

- É mesmo!? Essa eu quero ver então! Se for verdade você terá muitos créditos comigo!
Disse Zara ajeitando-se no ombro de Dadaim

- Pois prepare-se pra jornada minha amiga, a jornada dos créditos! Pois tudo que eu falo é verdade!
Disse o gigante seguido de uma alta risada 

E os dois caminham em direção as “estrelas matutinas” enquanto Dadaim assovia uma canção que fez Zara sentir algo quentinho dentro de sua barriga, deixando uma estranha e cômoda sensação de segurança e carinho, algo que ela não sentia a muito tempo.



Enquanto isso no Condomínimo das Fadas e das Pêras no extremo Sul do reinado dos bosques das Tendas;

De dentro do palácio das Fadas Ladras a Rainha Agrafena anda de um lado para o outro sabendo que sua fiel escudeira Ÿorn havia sido capturada de alguma forma em algum lugar, por sorte da rainha e  por descuido de dona Matinta, a velha feiticeira utilizou um punhal encantado, no caso o “punhal vivo”, qualquer artefato enfeitiçado ou mágica usada contra as mensageiras da rainha são imediatamente identificados na consciência de Agrafena revelando assim também a pessoa que utilizou  aquela magica ou artefato no momento.

Matinta foi identificada pela rainha mas ela não sabe aonde a velha feiticeira está, mesmo assim pode tentar qualquer coisa a distância contra Matinta para castiga-la por sua audácia, a rainha sabe que Ÿorn está viva mas não tem certeza se está com Matinta ou não, mas para Agrafena isto não importa muito agora, ela já mandou mais cinco mensageiras de reforço para a missão, depois que o Sr. Saci já estiver avisado ela irá procurar pela pequena fada, por enquanto ela está preocupada em juntar um enorme exército que já se reúne no pátio central do Condomínimo das Fadas e das Pêras mesmo sem saber o porque estão se reunindo.

Enquanto voa rapidamente pelos corredores do palácio sentido ao pátio, a Rainha reclama com uma de suas muitas escudeiras;

- Maldito bloqueio de telepatia do Sr. Saci, tanto atraso poderia ter sido evitado se não fosse essa maldita tradição de cartas enfeitiçadas! Eles não confiam nas fadas!

E a fada escudeira pergunta

-   Talvez não confiem nas Fadas Ladras minha senhora, e quanto a estas cartas enfeitiçadas, elas são enfeitiçadas exatamente pelo oque?

E a Rainha responde espantada

- Me surpreende muito que não saiba que as cartas são enfeitiçadas para que o Sr. Saci saiba que a informação ali escrita foi exclusivamente de primeira mão para ele, e se qualquer outra pessoa tentar ler antes dele, o que provavelmente já pode estar acontecendo, ele receberá um aviso telepático de que alguma informação nossa para ele foi interceptada. Talvez até já tenha recebido.

Então a Rainha faz uma pausa com um ar suspeito e pergunta;

- Escudeira! A senhorita por acaso é novata? Pedi para que apenas escudeiras mais velhas me acompanhassem de perto nesta missão, por que raios só agora me dei conta de que não te conheço!? 

E a Fada Escudeira responde;

- Meu nome é Iamara minha senhora, Saí da infantaria a oito meses e fui escalada como escudeira desde então, fiz trabalhos de destaque pelo batalhão por tanto fui confiada em acompanhar a senhora até o pátio central. Perdoe minha ignorância em relação a informações de conhecimento dos de sua confiança minha Rainha.

E  Agrafena então responde;

- Deveria estar se desculpando por não saber o porque esse povo não confia em nós, o fato de sermos as fadas ladras é o de menos, o que realmente os incomoda é que temos mais mágica que eles e não dependemos de certas interferências diretas com humanos para mantermos nossas missões nos planos da existência. Somos a rebelião da pura magia. Na verdade acho que esta parte você já deve saber bem não é mesmo?

E Iamara responde confusa;

- Parte? Qual parte? 

E a Rainha ignora a confusão da fada enquanto acelera o voo ultrapassando Iamara dizendo;

- Espero poder ver seu destaque como escudeira também minha cara, escudeiras reais costumam ler e se informar tanto quanto são eficazes e letais em batalha, espero que seus treinadores já estejam se preocupando com isso. Diga para Alis que venha falar comigo depois que esta bagunça acabar, e é claro, se você sobreviver.

E Agrafena voa para o alto contornando as enormes Jabuticabananeiras Reais que enfeitam os adornos do pátio central, enquanto a fada Iamara voa atrás dela pensando que deveria ter ficado de boca calada desde o início.

A rainha então paira sobre a estátua dourada de “Agaberta” uma antiga feiticeira filha de um gigante notável chamado Vagnoste, Agaberta fora tão poderosa quanto qualquer outro criador de mundos, as fadas ladras a adoram pois tem a certeza de terem sido criadas por ela.

Do topo da cabeça da estátua a rainha contempla seu exército crescendo, a população do Condomínimo das Fadas está inventando todo tipo de estória para o motivo de a rainha querer reunir a todos no pátio central, uns dizem que ela irá anunciar aumento de divisão dos furtos realizados, já que todos entregam tudo o que roubam para ela, e se não entregam ela sempre descobre, outros dizem que ela irá devorar em público os poucos seres do sexo masculino que sobraram escravizados no condomínimo deixando apenas os que servem para determinados tipos de reprodução e os coitados dos domésticos donos de casa de boca costurada, outros dizem que ela irá suspender a “Festa Anual do Dente de Ouro “ , pois a Dona Sara, senhorita feiticeira mãe de todas as Tendas é um ser grandioso que não se brinca, avisou que as Terras Maravilhosas dos Ciganos não suportariam mais fadas brigonas dando murro na boca de cidadãos disputando dentes de ouro por diversão. Isso é pior que uma afronta a cultura de seu povo, isso é motivo de guerra se acontecer mais uma vez; E outros ainda dizem que a rainha vai reunir um exército para pegar de volta os artefatos roubados do seu palácio que se encontram sob domínio dos humanos no Vaticano e em Jerusalém; Mas é mais ou menos quase tudo isso e mais um pouco que a Rainha precisa de seu povo, então ela diz;

- Povo do Condomínimo das Fadas  Ladras e arredores, estou aqui para deixa-los atualizados sobre nosso atual momento de crise, como a história da maldição dos sapoláceos para adentrar o plano dos humanos já não é mais novidade alguma falarei em resumo o que está acontecendo.

Toda a população cessa imediatamente os murmurinhos e se entreolham de olhos arregalados, e então a rainha continua; 

- Um fio de cabelo de um humano enfeitiçado por um servo de um daqueles sapoláceos nojentos foi queimado num papel com a palavra arco íris, vocês já devem saber que isso então começa um processo de conexão do portal arco íris das Tendas Estreladas para a Terra, sabemos muito bem também que eles e mais um tanto de outros povos desprezíveis desejam invadir o Vaticano e alguns túmulos em Jerusalém para recuperar artefatos que foram conquistados com o nosso esforço ao longo destes séculos e que foram descaradamente furtados por aquela escória terrena sem vergonha! Servos dos pequenos demônios burros que a tantas eras rastejam pelos desertos.

Algumas fadas impacientes exclamam entre a multidão;

 - Vamos ataca-los logo então minha Rainha!
Outra fada diz;
- Vamos ataca-los antes que o portal se complete e destruir a entrada do arco-iris!
Outra fada responde;
- Não idiota! Vamos mata-los e deixar o portal se abrir para recuperar nossas preciosidades!

A Rainha então exclama;

- Silêncio por favor minhas caras! Não temos por que nos apavorar. Devemos nos apressar sim, mas nos apavorar não. Como sabem enviei a fada Ÿorn numa missão de mensageira ao plano das Lendas, e o que não sabiam é que nesta carta eu relatava este acontecimento para o Sr. Saci, mas o que não sabem ainda e talvez não tenham entendido quando viram eu mandando mais cinco mensageiras ao plano das Lendas, é que infelizmente a fada Ÿorn foi sequestrada e já tenho a confirmação de outros feiticeiros além deste suposto sequestrador que estão sabendo da importância das informações nesta mensagem.
 Sabemos quantos povos querem invadir a terra para recuperar seus artefatos e inclusive para roubar os nossos, sabemos que o povo dos desertos dos jardins de Aqui e Lá possuem um número absurdo de artefatos aprisionados na Terra por que são uns fracotes descuidados, sabemos que o Prefimperador ridículo e o Prefimperadoreito babaca já estão no limite do abuso dos humanos e se souberem deste portal não tenham dúvidas de que eles e qualquer outro imbecil estarão com um exército enorme nos domínios dos sapoláceos logo logo.

A nossa honra está em jogo e desta vez não devemos deixar esses répteis doentes vencerem qualquer coisa novamente, nem eles nem ninguém mais! 
A população toda aplaude a rainha, fadas levantam lanças e facas afiadas, espadas curtas e arcos dourados, escudeiras batem em seus escudos e pequenos gnomos e outros elementais que servem ao povo das fadas ladras juntam-se ao exército carregados de toda mágica e suprimento necessários para a marcha sentido ao domínio dos sapoláceos.

A rainha então dá as ordens de partida ao seu exército;

- Uniremos o máximo possível de nosso povo, até mesmo os escravos domésticos e os reprodutores de escravos! Marcharemos sentido ao domínio dos sapoláceos que como todos sabem fica a três semanas voando daqui, sabemos que no caminho existem incontáveis sapoláceos que farão de tudo para nos comer e também não podemos esquecer que os ciganos andam meio chateados com agente e a partir de agora a Festa Anual do Dente de Ouro está suspensa, estamos correndo sério risco de chatear definitivamente a Senhorita Sara;
 Por tanto minhas caras, teremos que voar alto e os servos que caminham por terra terão que lutar por suas vidas e andar em grupo, irei disponibilizar três de minhas fiéis escudeiras para acompanhar de cima os grupos que irão por terra, provavelmente chegaremos uns quatro ou cinco dias antes deles, isso se não tivermos muitos atrasos nas paradas de descanso que serão feitas nas mais altas montanhas, teremos uma parada obrigatória de dois dias na montanha das montanhas pois tenho uma velha amiga para encontrar por aquelas redondezas, tenho certeza de que ela irá nos ajudar nesta guerra, ela nos deve mais do que a própria imortalidade.

Então uma das escudeiras pergunta;

- Rainha Agrafena! A senhorita irá aguardar pelo conhecimento do senhor Saci sobre o portal arco iris para podermos partir?

E a rainha então responde;

- Definitivamente não minha cara, ele provavelmente já recebeu a mensagem telepática da carta enfeitiçada avisando que a informação foi interceptada, quando ele finalmente souber o que aconteceu e enviar seus reforços para a terra dos sapoláceos sabe lá o que eles também vão querer com o portal, com sorte nós já estaremos por lá! Por tanto começaremos a marchar quando a sombra de Agaberta estiver apontando para o norte, preparem-se filhas da cria do gigante, as Fadas Ladras declaram guerra e invasão ao domínio dos sapoláceos e ao portal para a terra! Destruiremos o reinado deles e deixando o portal aberto cuidaremos dele para que não se feche, um exército selecionado irá invadir a Terra com o menor alarde possível aos terrenos e não deixaremos ao menos uma testemunha da invasão, nem terrena nem das tendas! Usaremos força total das armas encantadas e da nossa mágica e mostraremos aos planos da existência que merecemos nosso respeito!


Enquanto isso em algum lugar no Plano das Tendas

Dentro de uma pequena cabana suspensa na copa de uma enorme árvore está a fada Ÿorn deitada numa esteira com a barriga enfaixada, suando frio, levemente acordada e ainda com muita dor, enquanto um homem encapuzado, sentado numa poltrona velha e suja em frente a um fogão de barro acende o fogo e coloca água para ferver.



Encarando o fogo enquanto aquece suas mãos, ele fala com a pequena fada mesmo ela estando na condição em que está: 


- Sabe pequena fada, vou lhe dar satisfação da minha missão sobre o por que eu e meus irmãos de jornada defendemos que nossa maior explicação, talvez nossa única chance nesta existência de sabermos definitivamente de onde viemos e por quem fomos criados, talvez nossa única chance de se livrar das funções sistemáticas dos criadores para as quais fomos designados, seria fazer com que todos os seres terrenos enxergassem o milagre de suas almas, e compreendessem a imensidão da sua eternidade em sua essência.

 Sabe do que estou falando né? Daquela primeira bolinha que os criadores fazem quando vão moldar um ser. Para nós é comum. Pra eles é um mistério tão grande que até em religião eles transformam um assunto tão simples e básico, era para eles estarem milhões de anos luz a frente do que estão agora. São seres magníficos... 

Então a chaleira começa a apitar e ele se levanta da velha poltrona para preparar o seu café.
A fada Ÿorn então dá um gemido e começa a se ajeitar na esteira tentando tomar uma posição um pouco mais vertical e o homem deixa a água escorrendo no coador enquanto corre para ajudar a pequena fada:

Então Ÿorn grita:

- Sai! Sai! Não encosta em mim! Você tá cuidando de mim mas sei lá quem você é! Você ainda me raptou! Sai fora! 

E a fada ficando vermelha e perdendo o fôlego por segundos leva as mãos à barriga.

- Aaaaargh! Mas que dor maldita!

Enquanto ela geme o homem encapuzado continua a falar:


- Se eu fosse você parava de falar tão alto.

Você tomou uma punhalada de uma feiticeira das piores, sendo que ela abriu sua barriga para pegar sua carta, o amiguinho dela deixou ela nervosa e quando alguém está nervoso na posse do punhal enfeitiçado ele finca fundo quase que incontrolavelmente atrás da alma da vítima, pois o feitiço se alimenta de morte e medo.

 E foi por pouco quase o que aconteceu com você, só que para compensar a morte que não alimentou o punhal a feiticeira sacrificou uma ave. Você só não morreu porque ela não quis danificar a carta. 

Sortuda você pequenina, sortuda sim!
Tive trabalho pra te manter viva. Sendo que você é pouco maior que meu ante braço! Não foi fácil não dona coisinha!

E a fada com cara de dor e espanto tenta gritar sem sucesso novamente:

- A carta!!! Cadê minha carta seu desgra..AAAARGH!  

E o homem diz enchendo uma xícara de café enquanto arrasta a poltrona para mais perto de Ÿorn:

- Calma mocinha! Que exagero de fadinha brava! A carta está aqui, mas o punhal rasgou o suficiente para ela se abrir, acredito que para quem quer que seja a pessoa já deve estar sabendo que ela foi aberta. 

E Ÿorn pergunta espantada:

- Tendas!? O que!? Por Agaberta!  Mas eu entrei nas Lendas! Passei o portal, passei os campos cantantes...

Como você sabe tanto sobre os feitiços das cartas encantadas?

 Me fale agora quem você é e aonde estamos ou não continuamos mais conversa alguma!


E o homem dá um gole no café, tira seu capuz e responde:

- Pois bem, meu codinome é  Sr. Escuridão, faço parte de um grupo enorme de seres espalhados por todo o plano das Tendas que busca entender melhor nossas origens, somos responsáveis pelo Agouro Auspício, intercalamos e selamos a muito custo as informações que os criadores passam  para as aves que transmitem mensagens e sinais aos humanos.
É assim que minha raça interfere na vida dos que nascem na Terra.

E Sr. Escuridão coloca a xícara vazia sob o fogão e completa:

- E sim, você está no Sudoeste do Plano das Tendas.

Ÿorn então dá uma pigarreada e responde:

- Tá, você é um daqueles coroas pirados da irmandade encapuzada que fala que nossa alma foi roubada e vendida para um experimento que deu errado e então viemos parar aqui para influenciar outras raças e escraviza-las em nome de bla bla bla minha barriga maldita dói! Estou cansada demais pra isso, que assunto idiota, pra mim você é um velho idiota! Como pode correr tão rápido se aparenta ser tão velho? Droga de sorte! Devolva agora minha carta! Mesmo rasgada! Eu quero ve-la!

E Sr. Escuridão entrega a carta para Ÿorn que a pega de sua mão com rapidez e logo a coloca entre suas coisas, mas logo volta aos gemidos encolhendo-se em sua posição dolorida e desajeitada na esteira. Tudo o que a pequena fada consegue fazer agora é reclamar e ouvir com certa impaciência a tudo que Sr. Escuridão tem a lhe dizer.
E ele continua:

- Eu imaginava que fadas como você já tinham visto de tudo, achei que não se surpreenderia com um velho que se movimenta com rapidez. Sou mais velho que as sombras dos planetas que nos cercam, mas não sou mais velho que este plano, não me considere um idiota minha amiga, não seria uma escolha sábia para o benefício de sua empreitada, aproveite a estadia enquanto pode, pois acredito que você, assim como todos os encapuzados, sabe que um portal se abriu na conexão arco-íris dos Sapoláceos.

E Ÿorn novamente se esforça em vão na tentativa de falar agressivamente:

- Você! Seu, seu puto! Você leu a carta seu verme seco! Você violou uma regra real e terá suas tripas amarradas em sua garganta por isso, aaaaargh! Me dá uma porra de um balde!!!

Grita Ÿorn enquanto Sr. Escuridão pega um balde para que ela possa vomitar, 
  

- Por favor dona fada, se acalme, a maioria dos que buscam as respostas dos criadores estão sabendo que um portal se abriu na conexão Arco – Íris isto não é mais segredo, já tem muita gente atrás do que vocês estão atrás,  e acredito que sua rainha saiba disso, eu disse que a pessoa sabe que a carta foi aberta pois ela foi rasgada pelo punhal e quebrou um pedaço do selo enfeitiçado, isto já é motivo para o  feitiço acusar violação. Mas se você olhar a carta com calma agora vai ver que ela não foi nem ao menos desdobrada e ainda é necessário quebrar mais do selo para poder abrir completamente, eu não violei nada, apenas já sei o que está acontecendo, é por isso que eu estava no seu caminho, e no caminho da feiticeira que tentou lhe caçar, também não quero que pessoas como ela cheguem até o portal para terra, sei o que estes seres querem com os artefatos que se encontram sob posse dos humanos.

E Ÿorn diz enquanto limpa o rosto e cospe no balde;

- Entendo, e aposto que também não quer as Fadas Ladras perto do portal, e é por isso que me sequestrou!

E Sr. Escuridão responde enquanto pega um pedacinho de papel para a fada se limpar;

- Não! Não mesmo! Muito pelo contrário! Sei que o que as fadas ladras roubam, elas o fazem por conta de sua natureza, assim como um Gatotixa come uma Ratoranha, é instinto! 

 E também sei que os artefatos que os humanos levaram de vocês eram artefatos reais forjados e encantados por vocês mesmas, sei que querem passar por este portal e pegar tudo sem muito alarde pois aquilo é importante demais para vocês, sei que não vão criar confusão a toa com os humanos. A magia que vocês possuem é invejada e admirada em incontáveis planos, sei que compreendem a importância e a responsabilidade disto.

Então Ÿorn agora aparentemente melhor do que antes, responde seca e séria como demonstrou ser até agora;

- Você não sabe nada! Não faz ideia alguma do que é ser uma fada ladra! Este título é uma maldição e o nosso poder é muito além do que já conhecem! Não fazem ideia do porque permanecemos aonde estamos, pois se quiséssemos já teríamos aniquilado seu plano patético, esses Sapoláceos idiotas que nos comem feito moscas, temos que voar alto como insetos assustados! Fugimos como ladras por natureza mas sabemos muito bem o que éramos antes disso! Nossa história e nossos acordos com os imortais e com os mortais vai muito além do que você imagina que sabe velho homem, ou se lá o que vocês encapuzados realmente são.
O que sei é que não preciso de você no meu caminho agora. Vou melhorar e vou sair voando daqui, pode ter certeza disso.
E em forma de agradecimento por ter cuidado de meu ferimento não contarei para minha Rainha o quão ousado que é, e lhe pouparei de ter seus órgãos genitais amarrados a uma árvore por três dias e três noites na festança de comilança de carne masculina em nome de Agaberta.

E Sr. Escuridão cai na gargalhada deixando Ÿorn irritadíssima, mas ainda devido a suas condições permanecia aonde estava. Sr. Escuridão então se abaixa e fala gentilmente;

- Minha amiga eu estou do seu lado, acredite em mim, agora se ajude e durma.

E então Sr. Escuridão movimenta a mão sobre sua xícara de café que solta uma densa fumaça negra envolvendo o corpo de Ÿorn que em questão de segundos sem poder falar mais nada cai num intenso e profundo sono,  até que sua ferida possa cicatrizar.



Enquanto isso, em algum lugar no plano das Lendas

Um sujeito poderosíssimo conhecido como Saci e seu fiel conselheiro o Sr. Bode, batem um intenso papo sob a sombra de um Jacajueiro em um espantosamente brilhante campo de lírios cintilantes;

- Como pode tamanha estupidez!? Séculanos e milenitempos de existência, roubando, matando, enganando, fugindo; E essas fadas malditas insistem em cometer erros básicos e estúpidos!
As malditas perderam uma carta de extrema urgência! Um assalto! Um sequestro! Uma pancinha rasgada de uma fadinha descuidada! Sei que é estupidez esperar eficiência do serviço de ladras, mesmo com magia de sobra não deixam de ter por natureza a fraqueza de um ladrão! 
Mas eu sou um cara tão legal não sou senhor Bode? Seus chifres capricornicósmicos não confiam na minha lealdade assim como meu cachimbo confia em seu caráter como conselheiro e amigo? Não usufruímos da eficiência dos nossos deveres devido a espontaneidade do nosso respeito? Isso não era pra ser uma coisa básica entre todos os seres? Uma coisa tão óbvia como essas!?

E o bode responde enquanto mastigava flores de lírio:

- Respeito, eficiência e espontaneidade são três palavras muito bem escolhidas caro Saci, pois as três estão cada vez mais difíceis de se ver por aí hoje em dia, existe pouca confiança entre os seres e isto resulta em falta de respeito ou descaso que gera ineficiência e esconde a espontaneidade atrás de atitudes automáticas e sem imaginação, estes seres todos pensam tanto em vingança e em recuperar seus objetos de poder que esquecem da capacidade que possuem em poder refazer estes objetos e fortalecer a mágica de suas existências como se nunca tivessem sido incomodados por humanos ou qualquer outra raça.

O Saci então dá uma coçada comprida na cabeça e diz como quem desse satisfação ao seu fiel conselheiro:

- Você sempre fala dando ligeiras e macias alfinetadas. Nunca me arrependerei de ter me envolvido com os humanos e estabelecido meus bancos no plano deles, são números que não existem de verdade e mesmo assim eles confiam todos os seus valores materiais e esforços trabalhistas nestes prédios de pessoas e números. É fascinante Bode, nunca vi uma raça fazer isso por vontade própria, tudo que precisei foi dos prédios e das pessoas, eles fizeram todo o resto como se já fossem programados para fazer isso.

Então o Bode interrompe;

- E quem garante que não são programados?

E o Saci então olha aborrecido para o Bode esperando o sermão que já está cansado de ouvir, e o Bode continua:

- Quem garante que você assim como eles não é apenas mais uma peça das "pesquisas científicas de DNA" dos criadores? Eu dou estas alfinetadas por que sou seu bode conselheiro, te quero muito bem,  você queria ser adorado como os ditos deuses são adorados, mas não passou de uma sombra de um conto infantil entre outras mentiras religiosas de um planeta que sei lá para aonde caminha! És na verdade um ser imortal que brinca com valores imaginários no grande parque de diversão dos criadores meu caro! É uma peça deles! Faz o que eles querem.

Então o Saci se levanta bruscamente

- Não! Não! Não e não! Não é assim que funciona! Já te falei!

Diz alterado atirando para longe seu chapéu vermelho

- Eu sempre fiz o que quero! Não sou apegado aos números imaginários e nem aquela raça de escravos, se os criadores de planetas resolvessem apagar aquilo eu pouco me importaria! Não fui criado nem por eles e nem pelos mesmos criadores que eles! Não entendo porque você insiste nisso! Sabe que as lendas que conhecem da gente é tudo mentira pra agente se divertir com eles! Viu o que os dito deuses fizeram ao longo dos séculos terrenos! 

São como brinquedos! Não tem plano algum! Nada maior! Nada superior além de criadores de mundos comuns como em qualquer outra galáxia! Eu e você somos seres tão antigos dos mundos paralelos, influenciamos e alteramos mundos materiais suas religiões e suas crenças! Somos poderosos e imortais! É tudo pura diversão para ocuparmos nossa imortalidade entre diversos mundos e diversas responsabilidades! Qual o problema nisso? Como pode continuar com esta teoria sem cabimento que fora sustentada por seres tão inferiores que acabaram banidos no planeta terra!?

Os infelizes foram condenados a vagar na terra e viraram peixes macacos como o resto dos humanos! Sem mágica! Sem imortalidade! Uma só alma e uma só vida por vez! Um só planeta! Escravos da energia elétrica e de seus veículos e máquinas! 
São apenas coitados, resultado de brincadeiras de outros como nós. Precisamos ajuda-los e ser amados por eles, somos maiores! 
Devemos manipula-los e aceita-los como experiência do merecimento e do reconhecimento da nossa imortalidade, só assim daremos um sentido a nossa existência assim como os dito deuses fizeram!
Por que essa insistência em algo tão burro e antiquado aonde somos tão frágeis quanto qualquer experiência de DNA que se faz por aí meu querido Bode? 

E o Bode responde:

- Você diz que não é apegado a este planeta, mas do que estava reclamando agorinha mesmo?
Aaaa sim! Estava praguejando contra fadas ladras que perderam sua cartinha com algo importante sobre seu mundinho não é mesmo? Está com medo do que tinha escrito na carta não é Saci? Tem medo que saibam mais sobre sua vida nos bancos terrenos?
Tem medo que descubram que você guarda cofres especiais e secretos para os magos que possuem artefatos roubados dos paralelos? De quem realmente você tem medo Saci? Por que teve que confiar em fadas ladras para fazer seus serviços de mensagens urgentes entre os mundos? Qual o grande medo em liberar suas informações nas redes telepáticas além dos paralelos? Nem tudo você conta para seu fiel conselheiro!

E o Saci agitado responde em voz alta

- Você sabe que isso é exagero! eu lhe confio tanta coisa! Mas que audácia que não tem fim! Que eterna desconfiança! Pra que estragar tanta irmandade com desconfianças tão sem fundamento? O que ganha com isso Bode!?

E o Bode então diz o que sabe:

- Pois bem, você me conta tudo né? E por que não me contou sobre uma tal de fortaleza furtada de dentro de seus bancos terrenos e seus cofres mágicos "secretos"? Uma fortaleza habitada e dependente de ninguém mais ninguém menos que Dhalia a senhora da Ilusão em pessoa?

Então o Saci finalmente para de se mexer e num tom muito mais sério e chateado responde;

- Agora eu acho que você foi longe demais com sua desconfiança, você sabe que os cofres enfeitiçados são de conhecimento restrito e que se aquilo realmente foi roubado de lá por alguém que está na Terra então não fica muito difícil de procurar, nada com tanta magia e vida passou por qualquer um dos portais que se ligam na Terra pois uma coisa daquelas não passaria desapercebido em nenhum lugar do Universo, os portões Áuricos iam enlouquecer com a passagem de um artefato como aqueles. Seja quem for está na Terra! Viu só como lhe conto tudo! Só não havia lhe dito nada ainda porque para ter a confirmação sensitiva de que nada passou por portal algum ligado a Terra é uma coisa que leva tempo! A notícia tinha de ser oficial e você se precipitou na sua desconfiança sem limites. 

Então o Saci arruma seu chapéu, dá um forte trago em seu cachimbo e diz para o Bode que permanecia sério e calado;

- Entra no meu cachimbo velho amigo e vamos seguir nossa viajem até as Tendas Estreladas pra saber qual informação aquelas fadinhas escrotas perderam por aí, seja o que for alguém já abriu a mensagem depois que a rainha Agrafena selou a carta com o selo mágico, já nem sei mais quando foi que a mensagem telepática da carta enfeitiçada chegou, nossa pausa foi longa demais! 
O corpo do qual encarno lá na Terra está impossibilitado de suportar minha presença no momento, estou solicitando aos criadores outro corpo para que eu possa atuar por lá sem me cansar tanto mentalmente, enquanto isso se eu puder fazer uma visitinha pessoalmente pegando esta brecha que acaba de se abrir no portal do Arco-Íris, acho que posso fazer uma média com a senhora da Ilusão pois é absolutamente raro minha real presença naquele lugar tão primitivo e pequeno que a tanto tempo não coloco meu verdadeiro pézinho saltitante por lá.

E o Bode com uma cara bem enfezada diz de uma vez para o Saci;

- Pois eu tinha certeza que havia um interesse a mais da sua parte ao chegar neste portal, quer aproveitar para fortalecer sua "grandiosidade" entre os mortais e os imortais com sua presença real!
Mas eu não vou te apoiar desta vez não! Com a Senhora da Ilusão não se brinca! Ela atua diretamente naquele plano e foi moldada pelos criadores para que alterasse qualquer coisa em qualquer circunstância naquele lugar! Se ela tá brava e desconfiada de você então ela deve ter algum motivo! 
 Por isso fico mais confuso ainda sobre o que realmente sei nesta sua história toda com os terrenos e os imortais. Porque se Dhalia é capaz de alterar o que quiser, porque raios ela precisa de um cofre secreto no SEU banco para esconder uma coisa tão importante daquelas? Enquanto ela poderia ter disfarçado aquilo de uma coisa qualquer, sei lá poderia ser um prendedor de cabelo, uma colher de pau, qualquer porcaria!

E o Saci interrompe;

- Já respondi essa Bode! Não deu pra entender que o negócio é poderoso demais? Altamente detectável? Planos inferiores como o terreno precisam de cofres enfeitiçados impossíveis de se detectar por meios mágicos, a frequência natural de lá é baixa demais e qualquer coisinha acima do padrão fica facinho de se conectar. Isso não é novidade pra você Bode, todo plano tem seus cofres! Seus bancos! Eu sou um bom amigo para aqueles humanos e uma segurança para aqueles imortais fardados a cumprir parte de sua imortalidade interferindo diretamente e diariamente na vida daquelas criaturas até que elas terminem de uma vez por todas por elas mesmas! 
 Você entende quando falo para você sobre nossa missão existencial, sobre este ciclo, esta forma de servir nossas longas existências, como amigos dos ditos deuses, como lendas e mitos, amigos dos vivos! Somos histórias e sonhos em bilhões de vidas, porque ignorar isso Bode? Por que não interagir com uma coisa dessas? É claro que quero dar satisfações sérias para a Dhália da ilusão, não quero ela brava comigo não! Realmente não sei o que aconteceu, Legião me contou tudo o que sabia. Sei que se eu conseguir esta proeza raríssima de comparecer pessoalmente no plano Terrestre, demonstrarei minha real importância com este sumiço infeliz.


E o Saci num gesto de bater palmas bem lentamente por três vezes fez com que o seu cachimbo se tornasse grande como um cesto de balão, flutuando a cinco palmos do chão aguardo pelo embarque, o senhor Saci então num pulo adentra o cesto e de lá diz mais uma vez ao bode;

-  Com o tempo eu serei merecedor de reinos inteiramente meus, como os ditos deuses receberam do Universo por seus serviços a imortalidade em prol dos mortais, meus objetivos nunca foram segredo algum pra você! Não seja ridículo! Agora pule já neste cesto ou fique aonde está afogado entre seus lírios pois parto agora mesmo para o plano das Tendas.

Mas o Bode insiste:

- Pois parta! Não sei porque mas sinto que desta vez algo realmente grande está para acontecer, e eu sei que coisa boa não é, na verdade nem sei se é boa ou ruim, mas sei que não quero estar no meio! Pode ir! Boa sorte com suas fadinhas e seus amigos da terra, nos vemos quando aparecer por aqui novamente!

E o Saci responde enquanto o cachimbo enorme rodopia cada vez mais rápido:

- Que assim seja meu caro amigo! Espero que suas idéias mirabolantes não o carreguem ao seu túmulo, se acha que algo está para acontecer, talvez estivesse mais seguro ao meu lado! Até mais ver Bode!

E o cachimbo diminui de tamanho e toma a forma de um pequeno ciclone sumindo entre as folhas das árvores, o Bode então dá um suspiro e diz baixinho:

- Se eu realmente estiver correndo o risco de desaparecer deste plano, que seja em silêncio entre os lírios cintilantes, e não entre você e seus amigos humanos.


FIM DA PARTE 03

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